Anjo Estelar

Da Estrela cadente

O sonho envolvido

No beijo cativado

Na sensação

Cálida

Heróica

Decidida

Beijo que ressuscita

Noite natimorta

Uma multidão de Hosanas

Glórias e Glórias

Na expectativa

Pungente

De um Aleluia

 .

Anjos e anjos

Recitam o verso diurno

Sinfonia da tarde

Nas praias,

Nos becos e bordéis

A cidade nua mostra seu endereço

E o anjo caído

Decide o destino do mundo

E eu que sou fato e berço

Dormito de mundo

No sono eterno descanso

Vegeto

Espero

Branco de Neve

Itapaci –

ITAPACI – Parte 1

 

Segunda-feira quente no Estado de Goiás. A estrada era ladeada por grandes plantações de cana que iam até onde a vista alcançava. Muitas curvas até ali, estrada perigosa. Dirigíamos havia quase quatro horas. Ainda faltava muito para Santa Terezinha. Meu avô dormitava no banco de trás, exausto. Eu e meu pai ouvíamos Chico, cantando alto. Meu pai disse:

– Se tivéssemos um facão podíamos roubar algumas canas. Se bem que assim foi bom. Cana dura, sem doce. Não vale o prejuízo de descer do carro.

Passamos por grandes caminhões vazios em frente à usina. Ainda não era época de colheita. Em frente, dezenas de motos e bicicletas dos trabalhadores.

Estrada ruim, mas não muito. Alguns buracos, mas desviáveis. Nem se compara com a saída pra Bahia, aquilo sim que era um atoleiro. Passamos por uma cruz ao lado da estrada. Lugar ruim, ponte depois da curva. Perigoso. Fizemos o Nome do Pai.

– Fala com seu avô…

– A viagem tá boa, vô?

– Hein? – a surdez piorara muito depois do derrame.

– A viagem ta boa?

– Tá só um tiquim.

Não tinha muito papo com ele. Homem simples, roupas simples, gestos contidos. Muito mirrado, corcunda pronunciada e a boca vazia de dentes.

– Água?

– Não, filho, obrigado.

– Você quer, pai?

– Eu não. Tá com gosto de plástico.

Estávamos entrando na cidade de Itapaci. Pequena para os padrões de um brasiliense. Poucas ruas calçadas, mas casas bonitas, pintadas. Nenhuma muito antiga. Andávamos por ali tranqüilos. Itapaci era só passagem.

– Podíamos parar pra falar com teu primo Alexandre.

Eu não tava muito a fim, mas não disse nada. Não era lá uma viagem de férias.

O carro diminuiu o passo. Numa esquina, dezenas de pessoas se acotovelavam na frente de uma casa grande. Não parecia ser uma festa de confraternização.

– Ê…

– Que foi?

– Acho que tua tia morreu.

Nem conhecia a tia, mas uma verdade dita assim, sem preliminares era dolorida. Fiquei calado.

– Mal sinal esse povo todo parado na frente da casa.

Ele parou o carro no meio do sol. Descemos, eu e ele. Atrás ia uma moça morena de cabelos compridos.

– Que houve ali – meu pai perguntou.

– Falecido.

– Quem?

– Ariel…

Meu pai abaixou a cabeça, triste…

Andamos por ali, no sol, em direção à casa. Uma preta nos parou, reconhecendo meu pai.

– É o Diogo de Laura?

– Sou…

– Foi D. Laura que te guiou praqui. Ninguém tinha seu celular pra te ligar. Uma tragédia, meu Deus.

Não fazia idéia de quem era o defunto. O sol me torrava o crânio. Muito ali conversavam, falavam do morto e de outras amenidades. Uma parte considerável da cidade estava ali. Entramos por uma porta e entramos numa espécie de copa, onde adolescentes sentados se distraiam. No fundo havia um grande quintal, cheio de mangueiras e cajueiros, todos vazios.

Entramos por um corredor que dava pra parte de dentro da casa. Lugar apinhado de gente triste. Ninguém chorava mais. Ali estava o morto, num caixão pequeno, coberto de flores brancas. Este era Ariel.

Velho, aparentava ter mais de oitenta. Repousava sereno. Apertamos a mão do filho que velava o caixão. Calor insuportável.

Meu pai perguntou a ele detalhes da morte. Odeio detalhes de morte. É mais fácil pensar que ele simplesmente morreu e pronto. É duro pensar no sofrimento, na dor da família, naquele monte de gente que, como eu, só estava ali para tornar aquele momento de passagem ainda mais difícil.

– E sua mãe, onde tá.

– Ali, no quarto. Tu não viu?

– Não, vou falar com ela.

De volta ao acotovelamento. Não deu tempo nem de rezar uma ave-maria pro morto que eu nunca tinha visto até então. Entramos num quarto grande, cheio de mulheres. Lá estava a mulher de Ariel.

Era muito mais jovem que ele, tinha uns sessenta e já não chorava. Olhava perdida, o vazio. Não reconheceu meu pai.

– É Diogo de Laura mãe, tá falando cocê! Foi Laura que mandou ele, lá do céu…

– Diogo? É muito diferente pra ser Diogo de Laura.

Lembrei de meu avô. Deixamos ele sozinho no carro fechado. Naquele calor ele ia acabar morrendo em minutos.

– A chave pai! Meu avô tá no carro…

Corri dali, não para salvar meu avô, mas principalmente pra fugir daquele lugar grotesco. Não me sentia bem e, ao ver o céu azul enorme de nuvens brancas, pensei na morte e tudo que ela significa.

Pensei como ela costuma se mostrar mais forte assim, em dias quentes de verão. Mortes de segundas-feiras. Muitos me olharam curiosos. Alguns deviam já saber quem eu era. Eu tinha vindo ali a mando de Laura, minha avó há muitos anos morta. Era de lá, do Vale da Morte que ela mandava esse tipo de recados pros vivos. Minha avó me metia medo…

 

 

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Ahn…

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