A valsa do morcego II

Cai a noite lá na praia

Lua nova me seduz

Ela traz as sete chaves

Eu carrego a sua luz

O meu sangue mancha o chão

No fim do túnel há uma cruz

Não há dor maior que a minha

Não há chave que liberte

Nem caminho mais seguro

É a valsa do morcego

Mancha o chão, o sangue impuro

E vou até o fim do mundo

(Não me importa ser covarde…)

É a valsa do morcego

Cai a noite lá na praia

Não é certo não saber

Quem me dera ser mais forte…

Mas espero o banquete

Bate forte o coração

Caminhando pela noite

Quero ter a tua pele

Não me importa ser covarde

É a valsa do morcego

Não há dor maior que a minha

É a suprema ironia

Caminhando noite e dia

Não me importa ser brilhante

 

 

A primeira das trombetas

[setecentos mil trombones]

Marcham vis os meus soldados

[iludidos, todos dormem]

Natimortos como eu

[não há dor maior que a minha]

A primeira das passadas

[curta o céu da alvorada]

Todos bebem do meu sangue

[lua nova me seduz]

E cantamos à vitória

[derrotados desde cedo]

Deus me livre, eu tenho medo

[quem me dera ser covarde]

A segunda das trombetas

O céu se encanta com meu grito

Verdadeiro e primitivo

O anjo abre o seu selo

O pergaminho salta aos olhos

A sentença vem cadente

Não há frio ou coisa certa

Acabou-se a esperança

[então entre nessa dança]

 

Na terceira das trombetas

[o morcego vem e ver]

Então subo ao cadafalso

[é a valsa do morcego]

O céu frio é tão bonito

[mentes sangram na derrota]

Ali estão os meus soldados!

[em palavras não me exprimo]

Quem me dera ser covarde!

[vou chorar enquanto é tempo]

Eles gritam o meu nome!

[lua nova me seduz]

As palavras não me saem!

[é a valsa do morcego]

Cada um traz sua adaga…

[não me tentes que eu te mato]

A cidade com seus filhos…

[verdadeiros, primitivos]

Não me importa o cadafalso

[a platéia entusiasmada]

VIDA LONGA AO IMPERADOR!

[não é certo não saber]

Me retiram a coroa!

[não há dor maior que a minha]

Setecentas mil trombetas

[Opulência do cordeiro…]

Cai a noite lá na praia

Balança o corpo nessa noite

Pendurado à figueira…

É a valsa do morcego

Mentes sangram na derrota

Não há dor maior que a minha…

Sobre o Caso Dunga X Globo

Os leitores que acompanham este blog sabem que, normalmente, eu não trato de assuntos atuais e políticos neste espaço, já que ele tem objetivos [modestamente] literários. Porém, considerando-se os acontecimentos de ontem onde o técnico Dunga externou seu descontentamento com uma parcela da imprensa e a maneira leviana, superficial e apaixonada como esse fato foi tratado, acho que posso dar uma parcela de contribuição. Os leitores eventuais que não estão interessados nisso podem ignorar este post, ok?

A verdade é que o tratamento dispensado pela Globo ao caso foi tão desproporcional à ofensa do técnico (eu não considero “cagão” um palavrão assim tão grave) que, inadvertidamente, eles acabaram criando uma unanimidade. Foi desproporcional porque, como pode ser visto, por exemplo, aqui, aqui, e aqui, a resposta à atitude do treinador pelas organizações Globo foi um linchamento público e uma tentativa clara de desmoralizar o técnico Dunga, não o seu trabalho. Pareceu que o objetivo não foi reagir a uma atitude destemperada, mas punir uma pessoa por se opor, publicamente, a práticas e interesses consolidados, como a Globo já tinha feito várias vezes.

Muitos [eu inclusive] foram críticos do trabalho e o próprio jeito do técnico. Ele nunca foi muito popular entre uma grande parcela dos apaixonados por futebol, mas esta atitude das organizações Globo uniu quase todo o Brasil a favor dele. Ainda mais quando fontes confirmaram que o motivo real para o desentendimento foi uma negativa do técnico em permitir entrevistas exclusivas, coisa que ele sempre disse que ia fazer durante a Copa. Dunga foi coerente nesta decisão que, ele sabia, ia contra os interesses da Globo. Assim, Globo acabou criando um mito…

Sim, um mito, porque provavelmente, daqui a vinte anos, ainda estaremos falando sobre esse dia, assim como ainda se fala do dia que a Globo editou o debate do Lula com o Collor e do dia em que o Saldanha foi demitido por criticar o ministério de um presidente militar. Dunga virou uma unanimidade, um herói, um mártir, um novo Tiradentes. Dunga, sozinho, conseguiu mobilizar milhares de pessoas, porque muita gente viu o fato como uma injustiça e a Globo como um inimigo que pode atrapalhar a conquista da Copa do Mundo, como bem disse o Bob Fernandes.

Porém, acho que é hora de tentar analisar isso de uma forma mais profunda. Poucas vezes na história do Brasil, um personagem encarnou tão fortemente um clamor popular e mobilizou tanta gente. Talvez o jornalista Herzog, o estudante Edson Luiz e os 18 do Forte de Copacabana sejam alguns dos poucos exemplos disso. E são exemplos trágicos.

O jornalista e seu brutal assassinato foram uma pá de cal na repressão da ditadura, abrindo caminho para o Diretas-Já, anos depois. A morte do estudante Edson Luiz foi o estopim para a grande passeata dos Cem Mil, em 1968, além da invasão da UnB e, posteriormente, o AI-5. E os 18 do forte de Copacabana foram o movimento inaugural do tenentismo, que levou à revolução de 30, com profundas mudanças sociais e econômicas.

Nestes três episódios, pessoas comuns, quase anônimas, viraram símbolos de mobilização, mitos, que nunca serão esquecidos. Guardadas as devidas proporções, a atitude de Dunga, ontem, tem grandes paralelos com elas. Mas nos fixemos no último exemplo, que eu conheço mais devido às pesquisas para o livro.

Os 18 do forte foram um grupo de insurgentes que, em 1924, tomaram o controle do forte de Copacabana para tentar evitar a posse de Artur Bernardes. Eles bombardearam diversos alvos militares na cidade, como o ministério do exército (atual comando militar do Leste), sendo fortemente rechaçados por tropas governistas. Ao segundo dia, sabendo da derrota iminente, alguns dos insurgentes decidiram marchar até o palácio do catete ou morrer tentando. Eram vinte e nove no total, comandados pelo tenente Siqueira Campos.

A bandeira do Brasil do forte foi arriada e dividida em vinte e nove partes, onde os soldados escreveram suas despedidas. Após isso, eles marcharam na praia de Copacabana, sob o olhar da multidão estupefata, e enfrentaram, sozinhos, uma força estimada em quatro mil homens. Alguns insurgentes desapareceram, muitos morreram, um civil se juntou a eles na praia, mas os tenentes Siqueira Campos e Eduardo Gomes, feridos, sobreviveram.

Em ambos os casos, Dunga e os 18 do forte, o país passava por profundas transformações, em que as forças políticas tradicionais eram questionadas e estavam na iminência de ser substituídas por outras. Em ambos os casos, os envolvidos não perceberam a profundidade do ato que praticaram. Em ambos os casos houve flagrantes tentativas de desqualificar os atos, mas houve jornalistas com coragem para denunciar e refutar os argumentos dos órgãos de imprensa consolidados.

O Brasil está mudando numa velocidade rápida demais para que percebamos. Uma nova classe média está nascendo, tornando-se consumidora, não só de produtos, mas de informação, que hoje é distribuída em uma variedade nunca vista de meios. Isto incomoda grupos midiáticos que sempre tiveram controle sobre a opinião pública. A televisão tem perdido cada vez mais espaço e isto implica em perdas no faturamento e no poder das empresas que sobrevivem deste meio.

No passado, quando houve tentativas de questionar este poder, eles recorreram a golpes ou tentativas de golpe. Agora, as condições para que ele ocorra não existem. Vivemos o mais longo período de democracia de nossa história e isso, embora eles não queiram dizer, é conquista da luta de uma considerável parcela do povo por seus direitos. E é uma luta que tem sido travada todos os dias, não só por movimentos sociais [cuja importância sempre têm sido menosprezada], mas também por cidadãos comuns, que usam os instrumentos democráticos, como o ministério público, a justiça e o legislativo, para alcançarem seus direitos.

O destempero com o plano nacional de direitos humanos, com as conquistas do governo Lula e com qualquer forma de questionamento deste poder, refletem o despreparo destes senhores para compreender esta nova conjuntura. Em um espaço onde existe liberdade, existe consciência democrática e existem cidadãos atuantes, existe também questionamento das estruturas político-sociais e, em última instância, da própria consciência cidadã. Quando as condições à satisfação a este questionamento se mostram propícias, há transformações.

No plano sócio-político, estamos vendo grandes transformações, assim como na década de 20 do século passado, quando houve o tenentismo. Novos atores políticos estão entrando no jogo de poder e questionando a autoridade de velhas oligarquias. Conquistas como o Ficha Limpa e o PNDH são sintomas disso.

Os próximos passos, certamente mais ousados, serão um aprofundamento destas mudanças. Uma vitória de Dilma, talvez até no primeiro turno, significaria, simbolicamente, um marco democrático, pelo questionamento dos antigos atores do processo político e da emergência de uma nova classe [não sou marxista, mas compreendo as transformações recentes no Brasil como reflexo da luta de classes] política, para a sua sustentação.

E, sim, Dunga faz parte deste processo, mesmo que não perceba. Sim, Dunga, com seu temperamento forte e suas idéias fixas representa, hoje, este questionamento. E a resposta das pessoas, seu apoio incondicional ao técnico, são o reflexo disso, na minha opinião.

E, bem, só para traçar um último paralelo, sabem de que estado era o civil que se uniu aos revoltosos em 1924 para morrer? Isso mesmo, era gaúcho…

Por tudo isso, seguindo recomendação do Twitter, dou total apoio ao #diasemglobo. Sexta feira será nosso protesto, sem armas.

Conto com vocês…

No Surprises (Ou Ensaio Sobre a Tristeza – II)

A gente aprende desde cedo que ter esperança é bom, que é preciso ter coragem. A gente aprende a ser forte e, quando não dá, aprende a fingir. A gente aprende a não chorar. A gente aprende a agüentar o medo, a dor, a perda, a morte, como se fosse normal sofrer.

A gente aprende a ter ilusões. Ilusões de felicidade, de que correndo atrás dos nossos sonhos eles se realizam. Besteira. Sonhar é o privilégio dos poucos que vivem da exploração da frustração do resto da humanidade. Num mundo desigual, onde o amor é o sentimento dos mais fracos, nada mais justo, nada mais certo, nada mais contumaz.

A gente aprende a se acostumar. Aprende a não ver. Aprende a achar tudo certo, tudo lindo e maravilhoso. Aprende que o mundo das novelas do Manoel Carlos é perfeito e que sua vida é uma merda. Aprende que se vc sofre a culpa é sua, da sua incapacidade, da sua fraqueza, do seu medo.

Aprende a querer ser o que não se é. Aprende a querer sempre mais. Aprende a ter preconceito, a refrear o ódio. Aprende a falar dos outros, puxar o tapete e puxar o saco. Aprende a ser mau, porque os fins justificam os meios. Aprende a ser otário e fingir de esperto.

Aprende a se viciar. Aprende a usar todos os meios para burlar, mentir, fingir. Aprende que é errado mostrar compaixão, ajudar, cooperar. Aprende a ser egoísta e a falar pra todo mundo que isso é individualismo. Aprende a criticar antes de fazer. Aprende a chamar nossa opinião de imparcial e a chamar todo mundo de reacionário ou hipócrita.

O sonho é uma idéia que se vende, e caro. Sonho é ter, não ser. Sonho é possuir, mesmo que seja o outro, o porteiro, a puta, a empregada, o amor de sua vida. Tudo tem seu preço. Nada tem garantias. Não há surpresas, porque tudo está certo, pensado, equilibrado. São as engrenagens do universo que o homem tem de domar.

É o homem. Acima de tudo o pensamento do homem, os desejos do homem, as virtudes do homem, a alegria do homem.

Nada vai mudar. Fomos vencidos. Não somos livres, não somos nada. Somos pó. E olhando assim, querem que eu seja otimista? Os otimistas que se fodam! Os otimistas são uns vendidos ou uns hipócritas. Os otimistas são escravos.

Não há alegria, não há virtude. Não há perdão, não há amor sincero, pq não há poesia, beleza, serenidade…

Pra quê viver assim? Pra quê insistir? Eu cansei de ter coragem, cansei de ter expectativas frustradas. Cansei de dividir meus dias com pessoas que não se importam com meus planos. Cansei de ilusões.

Quer os clichês, porque eles dizem o que eu sou. Sou medíocre e fraco e isso me faz humano. Sou sincero, falo o que penso e penso pela minha cabeça. Sigo meus passos e erro, como erro. É errado errar? É errado se permitir ser diferente?

Sei que não, por isso luto. Luto para esquecer o que aprendi e para compreender as coisas sempre de outro modo, mais amplo.

Mas sofro, porque entender a verdade dói na mesma medida que liberta. Sofro por querer um sonho que não seja só meu, mas que seja de todos…

Hipócrita, ingênuo, estúpido?

Não sei, é o que ouço pelo caminho…

Mas sigo, onde meus passos marcados na areia se tornam mais profundos, onde sofro com mais intensidade é que vejo a verdade com os olhos mais abertos. E ali, entre a dor e o fracasso é que percebo lampejos, brilhos fracos e inconstantes de pureza e, quem sabe, amor e alegria….

 

Dor, insônia e outras histerias

Engraçado com a dor às vezes parece ser insuportável. Como a maior parte de vocês sabe, eu sinto dor o tempo inteiro. Chova ou faça sol, faça calor ou frio… Dói sempre, mas nunca dói do mesmo jeito. A dor pra mim é como uma amiga insistente que fala sem parar, mas nunca do mesmo assunto. E assim, vou caminhando.

Esses dias tem feito frio. Quando esfria é sempre pior, porque a dor é tão grande que às vezes eu acordo de noite e fico rolando na cama sem posição. A dor é tão presente que sinto que dói até nos meus sonhos.

E quando dói assim eu levanto mancando e começo a pensar. E quando acordo à noite e penso, vem a insônia, minha outra companheira.

Mas essa é mais rara, porém mais exigente. Enquanto a dor é constante, tão constante que me acostumo a ela a ignoro a maior parte do tempo, a insônia é implacável. Quando ela vem, nada mais importa. Ela vem e fica pelo menos um mês, sem me dar sossego. Ela me suga, me toma, me doma. Eu penso nela todos os dias, todas as horas. A insônia é como aquela namorada possessiva que você tem certeza de que só vai embora quando ELA quiser.

E vou aturando, dia após dia. Definhando, até o ponto que eu mesmo penso que não sou mais humano. Até o ponto que me olho no espelho e não me reconheço, de tão cansado, de tão destruído e estressado.

E, um dia, sem motivo algum, ela se vai. Vai mas deixa a certeza de que um dia ela volta, outra vez torturante, outra vez implacável…

E, enquanto ela não volta, eu aproveito, livre. Livre como aquele garoto que depois de muito tempo de castigo sai correndo de casa pra rua, gritando e agitando os braços como um louco. Como se fosse tão rara a liberdade e tão cruel o castigo que esta fosse a última chance de ver o mundo. Como se fosse a única chance de se feliz.

E eu fico aqui, sofrendo com minha dor, mas satisfeito de que a insônia me deu trégua…