V

Então, continuemos com nossa política de falar de grandes CD’s que mudaram a história do universo. Hoje teremos um dos mais sombrios e incompreendidos discos da música brasileira do fim do século XX. Legião Urbana V

A primeira coisa a dizer é que eu sou um fã da banda, gosto de todos os CD’s e já ouvi todas as músicas. Logo, eu sou meio tiete desses caras, mas isso não me impede de ser crítico ao trabalho. Resolvi escolher esse disco porque ele foi um fracasso comercial esplendoroso, por vários motivos. A temática do disco é forte, as músicas são pesadas, o ritmo é cadenciado, doloroso. É um disco triste, mesmo…

Isso torna o disco ruim? Não mesmo… A maior parte das pessoas não gosta deste disco porque ele não é formado por músicas comerciais que falam de amor e são lindinhas. Esse disco não fala de esperança em momento nenhum. São assuntos sérios. Há músicas de temática suicida (Metal Contra as Nuvens, Vento no Litoral), músicas falando de amores que não acontecem (Love Song), há músicas instrumentais que realmente não fazem sucesso aqui no Brasil (A Ordem dos Templários), músicas sobre drogas (A Montanha Mágica), músicas onde se passa uma falsa sensação de esperança (O Mundo anda tão Complicado, Sereníssima), músicas fazendo uma crítica social às crises econômicas que assolam o país (O Teatro dos Vampiros).

Mas, o que me chama mais atenção neste disco são as referências externas que estão ali em todas as músicas. Por volta dessa época (1991) Renato Russo descobriu que era soropositivo. No ano anterior, Cazuza havia morrido de AIDS. O rock dos anos 80 passava por uma crise de identidade. Muitas bandas acabaram nessa época e só retornaram anos depois.

Na verdade, essa terminologia “anos 80” serviu apenas para sub-classificar este movimento musical, em detrimento da MPB, que era vista como algo melhor pelas classes mais “aculturadas” da população, que eram donas dos meios de formação de opinião. Não acho que esse estilo seja pior do que o tropicalismo, mas tem uma temática mais jovem e, principalmente, uma busca pelo questionamento da sociedade brasileira. O Brasil estava mudando rapidamente e, quer queira, quer não, esses grupos chamavam a juventude a construir uma nova sociedade a se expressar. Essa repulsa aos roqueiros fez parte de um movimento muito maior de cooptação de despolitização das classes populares, principalmente da juventude. É por causa disso que a juventude dos anos 90 e 2000 está entre as mais egoístas e perdidas que já existiu. Isso continua se refletindo agora, na cobertura política das eleições pela grande mídia, que tem deixado de lado o debate político para descambar para a baixaria, num momento em que cada vez mais tem acesso aos meios de acesso e criação de informação. Ou vocês acham que estariam lendo este blog nos anos 80?

Não dá pra imaginar esse disco sem considerar o “entorno” dele. Renato sabia que ia morrer. Acabou-se o sonho. Então o disco é uma busca por uma nova musicalidade. Uma busca por exemplos onde a morte pudesse ter um sentido. Metal Contra as Nuvens fala muito sobre isso, sobre como encarar a hora da morte, com coragem:

“Essa é a terra de ninguém, sei que devo resistir, eu quero a espada em minhas mãos”

Com desprendimento

“e nossa história não estará pelo avesso assim, sem final feliz. Teremos coisas bonitas pra contar”

Com honra

“não me entrego sem lutar, tenho ainda coração. Não aprendi a me render, que caia o inimigo então”

Com saudade do que se perderá

“minha terra tem a lua e tem estrelas e sempre terá”

Isso tudo, além da musicalidade e dos temas transversais faz com que Metal Contra as Nuvens seja uma das mais fantásticas e esplendorosas expressões do cancioneiro popular brasileiro do século XX. A temática samurai, a busca por algo inatingível, a eternidade, o sangue, o suor e as lágrimas são expressões de uma busca por uma nova musicalidade.

Isso também se reflete em outras músicas como A Montanha Mágica, que fala de drogas. Um ritmo pesado, apenas quatro acordes que se repetem incessantemente, numa história recheada de referências ao sofrimento, à dor, ao medo. Há também tentativas de trazer para o rock temáticas externas, referências. A Montanha Mágica é o nome de um livro de Thomas Mann, aclamado escritor europeu. L’Age D’or é o nome de um filme surrealista de 1930 que contou com Salvador Dalí. Esta mesma música fala de drogas e de uma busca por religiosidade.

“Já tentei muitas coisas
De heroína a Jesus
Tudo que já fiz
Foi por vaidade
Jesus foi traído
Com um beijo
Davi teve um grande amigo
Não sei mais
Se é só questão de sorte…

Eu vi uma serpente
Entrando no jardim
Vai ver
Que é de verdade dessa vez…”

E há até referências à odisséia de Homero

“Oh! Oh!
Lá vem os jovens
Gigantes de mármore
Oh! Oh! Oh! Oh!
Trazendo anzóis
Nas palmas da mão
Oh! Oh! Oh! Oh!…”

Essa busca por novas temáticas e musicalidades torna o disco extemporâneo. A própria qualidade da produção, dos sons, da música é diferente. Este é um dos discos definitivos da música popular brasileira.

E o disco termina com a lindíssima Come Share My Life. Que é um retorno à temática das raízes do rock.

Isso tudo faz com que o CD Legião Urbana V esteja entre os melhores da História. E tenho dito.

1 Comentário

  1. Ma disse:

    É um excelente disco!

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