Ulisses de Ítaca

Errante herói grego jaz na epopeia, desde nascido

Com Palas Atena mimeticamente deposado

Num triunfante ardil que troianos pôs à deriva

Num longínquo tempo de heróis guerreiros e cidades-estado

Eis que então me espelho em terras novas

Que de brasis madeiras e sangue pisado e misturado

Outra Ilíada se arredonda, errante e torta

Inversa de heróis, deuses, homeros e faustos

Sangra a terra de orixás aqui nascidos

Xangôs, tacapes, curupiras e abaporus

Batem talismãs nas selvas, tremem de fulgor os rios de lama

Chora Poseidon no mar negrado, nem Iemanjá levanta a fronte

Quando o inimigo eleva acima do horizonte

O perigo etéreo de queimadas,

Hostes famintas

Famílias aflitas, alijadas de seus filhos fuzilados.

Nessa terra encantada e generosa,

A nuvem plúmbea estaca em polvorosa

Com seus malditos olivais e olavetes,

Perversos filhos de Ares, mantendo o prumo com cassetetes

Na fronte do seu povo derrotado.

Mas há um espectro multicolor que cega a nuvem,

Que vem da maré, favela, calor e negrume

Voz que brame de dentro do sepulcro

Mulher heroica, tecendo um fulcro a partir do seu discurso silenciado

Ela é a noite, a glória, a fé e o símbolo

Que une o povo no levante, cavalo helênico

Quadro-Delacroix sanguinolento

Em uma França austral ajoelhada.

Marielle vive, encanta e incomoda

Teu suplício batiza em sangue o eu-poeta

Lirismo que brame a apoteose

Cada teatro: praça de guerra.

Resiste o povo então pungente

Um rastilho de pólvora inconsequente

Espera o momento oportuno.

Então agora, no meio da batalha

Irmão e irmã, divorciados, marcados à navalha

Abrem os olhos um a um.

Bramam as selvas, levantem-se os heróis de outrora

Teu povo demanda, sem demora

O tributo do auriverde panteão

Zumbi, Tupã, teus filhos te suplicam

Quitéria, irmãs de armas, Diadorim do infinito

Tuas lanças nos salvarão, abram teus mares.

É hoje, meus amigos, a história

Não percamos, impassíveis nossa hora.

Deixe um comentário