Parte V – Pisco Sauer

Parte V – Pisco Sauer

Olhando para a última parte da viagem, penso que talvez tenha dado uma impressão equivocada do Chile. O Chile é um país incrível, cheio de pessoas incríveis, mas com costumes diferentes dos nossos. Se expus estas diferenças foi porque elas me tocaram profundamente e não por ter uma visão de superioridade/inferioridade entre as duas culturas. Ao contrário, é um erro terrível essa distância que nós, brasileiros, temos da América Latina. Este imenso continente, de gente que sonha e sofre como nós, tem sido visto com preconceito e desinteresse pelos grandes centros de mídia e pelos formadores de opinião.

Uma América latina unida é um compromisso fundamental que todos nós temos de assinar para a construção de um mundo mais justo, onde a voz dos fracos e esquecidos possa ser ouvida. Temos nossas diferenças, mas somos unidos no sofrimento, na exploração, na dúvida e na riqueza de culturas. Para aprender a conviver num mundo de iguais, é muito mais importante aprender a ouvir quem está perto, quem sofre como a gente e acredita em um mundo melhor. Ou vocês acham que os europeus vão fazer isso?

Bem, mas voltemos à história. Como eu estava falando, ia ter uma festa, organizada por brasileiros em território chileno. É claro, nós íamos estar presentes neste evento de proporções épicas espetaculares. E, após a terça-feira de muito trabalho, voltamos ao hotel (de madeira) e fomos nos preparar. Eu e o Francisco dividimos uma garrafa de bom vinho merlot enquanto esperávamos a hora de sair.

Foi bom dividir o quarto do hotel com ele (Rodrigo e Mazé dividiram o outro). Ele é uma pessoa incrível com quem tenho aprendido muito nos últimos anos. É bom saber que estou cercado de gente decente, que só quer o bem e que trabalha para um mundo melhor. Melhor ainda é saber que eu estou fazendo parte deste esforço e que estou tendo meu trabalho reconhecido por isso. Desta forma, a garrafa de vinho caía muito bem.

Olhei pela janela. Lá longe, podia ver os montes nevados da cordilheira dos Andes. Lindo saber que a neve estava tão próxima e mais bonito ainda era ver a cor dos montes mudando com o pôr-do-sol. A temperatura diminuía e eu colocava meu segundo casaco. Ouvi um pouco de rádio. Eu não entendia muito o quê eles cantavam, mas adorava o ritmo, a sonoridade e a emoção que eles colocavam nas músicas. Assistia também a CNN Chile e via as notícias sobre o novo pacote contra a crise mundial.

A noite caía lá fora e eu estava leve. Devia ser o vinho ou o cansaço de tantas noites mal-dormidas, além do trabalho do dia. Descemos por volta das dez e pegamos um táxi para o bar-danceteria onde ia ser a festa.

O lugar era incrível. Era como um grande barco (de madeira) com um bar no meio e um grande palco, onde DJ’s tocavam ritmos latinos. Entramos, comemos alguma coisa (não lembro o que era, mas era muito bom) e bebemos o famoso Pisco Sauer.

Pisco é o nome que os chilenos dão a uma bebida destilada feita de uvas brancas, uma espécie de cachaça de uva. Pisco Sauer é um drinque feito com Pisco e várias coisas que, na hora, eu não sabia o que era. Esta é a bebida do Chile, portanto, não podia sair dali sem beber aquele troço. E era muito bom. O Pisco Sauer é um drinque doce, mas como o Pisco é destilado, a bebida sobe muito rápido, ainda mais pra mim que sou fraco para bebida e estava com um pouco de fome.

Mas é leve. Não dá aquele gosto forte, que nem a cachaça. Muito gostoso. Bebi uma dose e, como já tinha bebido meia garrafa de vinho, resolvi parar por ali, pelo menos por enquanto. Fui me aventurar na pista de dança.

Pois é, esta é uma questão importante. Eu sempre zuei aqueles americanos que vêm pro Brasil e tentam dançar samba. O problema é que eu estava fazendo justamente a mesma coisa. Balançava os bracinhos, mexia as pernas, mas tava foda. Ainda mais quando subiu um cubano no palco (o único negro que vi em toda a minha estadia no Chile) e começou a ensinar a gente a dançar. Nossa, eu danço muito, muito, muito mal. Mal pra cacete. Ali que ficou latente essa minha… deficiência congênita.

Mas, não sei se por pena ou por caridade, as nossas amigas no Chile vieram dançar com a gente. Primero a Mazé (foi um caos), depois duas amigas vieram ensinar a mim e ao Rodrigo. Não sei se era efeito da bebida (eu já estava em outro drinque, não lembro o quê), ou o fato de estar ali só pra me divertir, mas aquela noite foi muito especial. Elas foram super pacientes, não ligaram pra gente não saber mexer as pernas e os braços de maneira conjunta (se bem que o Rodrigo tem um certo talento natural pra dança) e dançaram várias músicas.

E foi bom, sabe? Apesar do meu joelho fodido, eu sempre quis entender como se sente uma pessoa dançando. Sempre invejei os sorrisos, os olhares, a empolgação das pessoas quando elas tentam se mexer no ritmo da música. Talvez por estar em outro país e, por isso, poder pagar mico à vontade, não liguei nem um pouco se dançava errado. Apenas tentei fazer o meu melhor e acho que consegui.

E meu sorriso grande de dentes brancos apareceu muito naquela noite brasileira no Chile. Dancei samba, salsa, merengue, ringtones e vários outros ritmos engraçados. Foi muito legal e vou levar esta noite comigo pro resto da minha vida.

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Mas a noite acaba, a vida continua. A vida pode ser uma festa, mas não da pra ficar no mesmo ritmo o tempo todo. Quatro da manhã pegamos o táxi para o hotel. Fui olhando a baía de Puerto Montt (sim, eu estava quase tão bêbado quanto na viagem pra Sampa), as luzes da cidade de madeira que dormia.

Eu tenho muita sorte. Viajei mais de sete mil quilômetros para sair de Brasília e chegar a Puerto Montt e ainda viajaria muito mais durante esta semana, mas tinha muito o quê agradecer. O ano passado foi difícil, tive muitos problemas e talvez tivesse desistido se não fosse a ajuda de muitas pessoas. Agora que a ficha estava caindo que ia começar um novo ano. Fiquei ali, calado, pensando na minha vida (meus amigos provavelmente estavam preocupados em saber se eu estava entrando em coma alcoólico) e nos novos desafios que teria dali pra frente. A vida pode ser uma festa, basta encará-la de frente e torcer pra que tudo dê certo a maior parte do tempo.

E eu estava pensando ainda no ritmo, nos olhares, nos sorrisos das diversas pessoas que eu tinha visto naquela festa. Foi quando chegamos ao hotel. Subimos e, quando nos preparávamos para dormir, falei com o Francisco que ia dar uma volta. E fui.

Fui ver o Oceano Pacífico. Não sei porquê, mas era como se ele me chamasse, sabe? Eu tinha de ter uma conversa com ele. Imaginei Posseidon saindo do meio daquelas águas revoltas e me tragando para as profundezas escuras, onde ninguém poderia mais ouvir os meus suspiros. Aquele mar tinha engolido tantos navios, tantos corpos de tantas gentes ao longo dos séculos. Suas águas eram como almas revoltas, se contorcendo, pedindo ajuda. Milhões e milhões de afogados se debatendo.

E fazia frio. Sete graus, no termômetro da praça. Mas eu gostava daquilo. Aquela solidão. Lembrava-me o meu imenso céu de ilusão sem nuvens que eu tinha deixado em Brasília. Brasília, tão longe, mas tão significativamente entalhada em minhas entranhas. E eu compreendi que o amor não mede distâncias. O amor é eterno, mas na sua imensa magnitude fica comprimido no pequeno vão entre o coração e o estômago. O amor é infinito, como o oceano, onipresente, como as lembranças daquela noite. Mas, principalmente, o amor é exigente. Ele não descansa enquanto não toma conta de tudo. E foi ali, naquela noite fria do verão chileno que eu passei a admirá-lo ainda mais.

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Dormi menos de uma hora e meia. Às 08h00min saía o ônibus turístico da organização do evento. Conheceríamos as cidades turísticas de Frutillar e Puerto Varas, distantes alguns quilômetros de Puerto Montt.

Frutillar é uma jóia. Uma jóia de madeira, mas uma jóia. Ela fica ao lado do lago (COLOCAR O NOME) e muito próxima do vulcão Osorno. Olhei aquela água calma e transparente, aquele imenso vulcão adormecido coberto de neve e agradeci a Deus por tudo o que estava vivendo. E por não estar de ressaca.

Comprei um monte de lembrancinhas. Sim, momento turístico mode-on. Tirei um monte de fotos e fomos para Puerto Varas.

Esta cidade é um pouco maior, e também fica ao lado do lago. Tiramos muitas fotos, peguei uma garrafa de areia (sim, era areia de vulcão, oras, eu tinha de levar), nos divertimos bastante e fomos almoçar.

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Bem, o almoço mereceria um capítulo à parte. Foi um banquete digno de reis. Pisco, vinho, farta comida, boa música…

Conversamos muito, fizemos muitos amigos naquele dia. E foi bom também ver os professores dançando aquelas músicas engraçadas.

E eu sorri e me diverti muito.

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Bem, é isso, na próxima parte falaremos de como comemos pastéis (quer dizer, empanadas) como nos separamos de Francisco e como conhecemos um torcedor do Cólo-Cólo.

Abraços a todos.

Embriaguês

Escandalizo

Saio com as mãos fustigadas

Uno-me ao fio da navalha

Quando corro numa perna só.

Mas, se não corresse?

Que tipo de marasmo seria esse

Que me percorreria?

Passos uníssonos

Palmas contrabalançadas

Contra as sacadas

Iluminadas

Dos edifícios do Leblon.

Pernas eriçadas

Mãos entusiasmadas

Pois das sacadas

As alvoradas

Tão esperadas

Pela minha amada…

Não ocorrerão.

Ou será que não?

Se corro de uma perna só

Sou louco

Ou seleto

Esperto?

Singelo…

Nada como a sedução.

Ou não?

Contra as sacadas

Austrais

De poetisas

Vestais (mas não virgens)

Ouço o canto arbóreo

Cálido, como um meteoro

Que cai contra o cais.

Pois se as houvessem

Tais virgens

Talvez alguém as ouvisse

E as calasse

Não teria dó…

Reclamo, tudo bem

Minha

Face

Solicita

Lágrimas

Cínicas.

E me engasgo em mi bemol.

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Parte IV – Da escatologia aos costumes chilenos

E então chegamos à segunda-feira. Saímos do hotel de ônibus para ir à Universidade de Los Lagos, onde seria o congresso que eu ia participar. Então, ônibus, este é um assunto bastante controverso. Como falar disso?
Bem, os ônibus em Puerto Montt são bem velhos. Mais velhos mesmo. Assim, idade da pedra, sabe? E são todos made in Brazil (Marcopolo atravessando a cordilheira dos andes, Yeah!). Mas o lance mais engraçado é que não há empresas de ônibus. Cada motorista é dono do seu. Isso significa que…
Que cada ônibus é personalizado! Sim, se o cara gosta de Pokemón, ele vai encher o pára-brisa de adesivo do Pikachú. Se ele gosta de Nossa Senhora de Medjugórie, vai ter um milhão de imagens da santa penduradas em tudo quanto é canto do busão. Se ele gosta do Cólo-Cólo, além disso tudo, ele vai estar com uma camisa autografada pelo craque do time. É isso mesmo, senhoras e senhores, é a personalização elevada à enésima potência.
Há outras questões relevantes sobre os ônibus a serem tratadas neste singelo relato de viagem. Bem, além de velhos, os ônibus são, digamos, limpos como pau de galinheiro. Principalmente aquele ferro no alto que eu cometi o indelével deslize de me apoiar. Ali havia bactérias que viram o batizado de Dercy Gonçalves. Mas o transporte é baratinho.
E tem outra coisa que os chilenos tinham de exportar pra cá. É o coletivo. O coletivo não é um busão. É um táxi!
Mas aí vós, humildes e castíssimos leitores perguntar-se-vos-ão: mas no Brasil também não tem táxi? Sim, reponder-vos-ia se vo-lo me perguntassem. Mas lá também tem o táxi normal que eu e você conhecemos. O coletivo é uma idéia revolucionária. O cara do coletivo tem um itinerário que ele segue. Então em cima do carro tem uma placa falando nomes em chileno que eu não sei pronunciar. Aí você olha no seu papel onde tem letrinhas que você não sabe pronunciar e, se há uma semelhança, vc pára (ih, agora não tem mais acento) você para o táxi. E aí você paga 400 pesos chilenos e vai pro seu itinerário. Revolucionário, não?
Ainda mais quando você descobre quanto é, em reais, 400 pesos. Então, um real vale 270 pesos mais ou menos. Fazendo uma regra de três simples, chega-se à conclusão que 400 pesos equivalem a…
Pasmem…
R$1,50, mais ou menos. Para andar de táxi…
Isso não paga nem a bandeirada no Rio. Legal, né?
O busão normal custa 350 pesos ou R$1,30.
Maneiro..
Mas então, o Chile é um país muito barato. É tudo mais ou menos barato. Tipo, caro mesmo é só a coca-cola (o equivalente a R$6,00 uma garrafa de 1,5l). Mas tem outras coisas EXTREMAMENTE baratas.
Por exemplo, você vai na feira no Brasil e vai comprar morangos, na safra, paga R$2,00 por uma bandeijinha vagabunda com 100g de frutos horrorosos que ousamos chamar morangos. Eis que no Chile, pela incrível bagatela de três reais você leva UM QUILO DE MORANGOS DOCES, GRANDES, APETITOSOS E VERMELHINHOS. Um balde de morango por três reais!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
E o vinho?
Não, não falemos do vinho…
Tá, falemos do vinho…
Falo ou não falo…
Tá, falo…
Uma garrafa de um bom vinho merlot nacional. No Brasil isso custaria entre 20 e 50 paus. No Chile isso sai por uns 12. Por um vinho excepcional. Um vinho espetacular (150, 200 no Brasil) custa menos de 40.
Puta que pariu, eu seria um bêbado inveterado num país como este. Nessas horas agradeço por ser um brasileiro que não desiste nunca. Cara…
O Chile é um país onde as pessoas tomam cabernet sauvingnon antes de jantar…
Nossa…
Mas paremos de falar de vinho…
Por enquanto.
Vamos falar de outros costumes estranhos chilenos. O Chile é um país onde se toma água da torneira, o que é muito estranho. Mas há algo bem mais estranho. Bem, comecemos do princípio.
Como todos os que estão acompanhando a minha saga no Chile sabem, comecei a viajar de Brasília na sexta, certo? Cheguei ao Rio no sábado e todos sabem que banheiro de rodoviária é uma coisa que não dá pra usar. Então no sábado mesmo viajei pro Chile, chegando no fim do dia e de lá direto pra estrada, chegando a Puerto Montt no domingo.
Mas aí a gente ficou numa casa de família…
Isso significa que eu fiquei com vergonha de… ahn… de… de me desfazer do gostosíssimo almoço que minha mãe tinha me preparado três dias antes…
Portanto, chegando à universidade, esta vontade voltou com força. E aí voltamos aos estranhos costumes chilenos. E este costume estranho é muito estranho. É o seguinte, vós mulheres que assistis esta saga provavelmente não sabem, mas no banheiro masculino existe algo chamado mictório.
Mictório é um lugar onde os homens fazem xixi de pé, para a inveja de vocês. Pois então, no Brasil entre dois mictórios existe uma divisória feita de madeira, mármore, plástico ou qualquer outra coisa que permite que nós homens urinemos sem necessariamente ser observados pelo nosso vizinho enquanto fazemos isso. É uma necessidade social, sabe, porque nem todos os homens gostam de ser vistos em estado de broxitude extrema.
Além disso, mesmo nos piores banheiros deste nosso escatológico país existe uma parede (basculante) que protege as pessoas que estão do lado de fora do banheiro de ver as pessoas de calças arriadas sentadas no seu troninho e trabalhando pela poluição do oceano atlântico. No Chile isso não existe…
Nem a proteção do mictório, nem o basculante. Portanto, eu na minha sanha assassina de inaugurar os esgotos chilenos e ser o primeiro da minha família a lançar dejetos menos densos que a água em direção ao oceano Pacífico, me deparei com a asqueirosa visão de um doutor em matemática sentado em seu troninho. ISTO VISTO DO CORREDOR.
Bem…
Não é preciso dizer que eu não fui neste banheiro.
Nem nos três banheiros seguintes.
Quando finalmente cheguei à conclusão de que todos eram assim, subi até o último andar, no banheiro mais vazio, e cumpri minha missão escatológico-diplomática com todo o empenho de meu coração. Não sem antes gastar muita energia.
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Ok, admito qe este não foi o ponto alto da minha estada no Chile. Posso falar do frio, dos lindos vulcões eternamente cobertos de neve, do oceano, da comida.
Ah, a comida…
Nossa, é muito diferente…
Primeiro, a hora de almoçar. Seguinte, no Brasil as pessoas almoçam lá pra meio-dia, certo? É porque o Brasil é um país relativamente plano, então o sol nasce e se põe de forma relativamente simétrica em relação ao meio-dia. Explico. No inverno o sol nasce lá pras 7 e se põe lá pras 17:00. Na primavera, nasce lá pras 6 e se põe lá pras 18:00 e no verão, nasce lá pras 5:00 e se põe lá pras 19:00 (esqueçam o horário de verão, ok?).
No Chile não. Tem uma coisa chamada CORDILHEIRA DOS ANDES que atrapalha o nascer do sol. Agora, no verão, o sol estava nascendo perto das 6 no horário de verão de lá (5 no horário normal) e se punha lá pras 22:00. Isso significa que o dia é simétrico em relação às 14:00. Logo, as pessoas almoçam às 14:00. Mas isso no horário do Brasíl é 15:00. Isso significa que eu estava MORRENDO DE FOME na segunda-feira. E quando descobri um lugar para almoçar, não entedia uma palavra do cardápio. Eles iam servir vacuno. Caralho, que porra é essa de vacuno?
Como só tem vacuno, vai vacuno mesmo. E, como o encontro estava cheio de brasileiros, a fila chegou a dobrar o quarteirão no único restaurante que havia por perto. Isso significa mais uma hora na fila. Ou seja, eu e Rodrigo estávamos aceitando até vacuno cru (sim, isso é um trocadilho…).
E eis que, quando vemos a comida…
Era carne de gado, ou seja boi, ou seja vaca. Vaca = vacuno…
Hum, nunca na história daquele país eu tinha comido um vacuno tão bom. Dali em diante, toda vez que eu sentia fome eu gritava VACUNO!
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Não vou falar do congresso. É que eu fui ao Chile a trabalho e, embora vocês não acreditem, trabalhei bastante. Eu tinha objetivos bem claros: apresentar minha pesquisa ao mundo. Portanto, era preciso fazer muita diplomacia, estabelecer o máximo de contatos possível para que o governo brasileiro tivesse retorno do investimento que ele tinha despendido para que eu pudesse estar em território chileno.
Portanto, minha missão ali era basicamente diplomática. Meu sorriso largo de dentes brancos estava a serviço de sua majestade, o presidente Lula. E eu fiz questão de sorrir bastante. Fiz muitas amizades, principalmente entre os nativos. Conheci pessoas incríveis, maravilhosas, fantásticas e porque não dizer, espetaculares.
Mas era trabalho e trabalho é chato e, principalmente, não se publica em blog, ainda mais quando o chefe pode ler. Portanto, vamos falar de algo mais legal, a diplomacia. Mas, se vocês ficaram curiosos em saber, o mundo ficou feliz em conhecer minha pesquisa…

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Então, diplomacia. É incrível como, quando a gente sai do Brasil, a gente percebe como nós, brasileiros, somos diferentes do resto da humanidade. A gente tá sempre sorrindo. Tipo, pro brasileiro, sorrir é uma atividade que envolve de 50 a 90% dos músculos do corpo. Pra outros países, sorrir é mostrar os dentes.
É incrível também como as pessoas admiram isso na gente. Eles ficam meios tímidos quando a gente encontra a pessoa e dá dois beijos no rosto sem nunca ter visto a pessoa na vida. Também acham estranho quando a gente chega e dá aquele abraço.
E quando a gente chama uma pessoa que nunca viu pra festança que vai ter na noite seguinte? Eles primeiro se assustam. Depois olham e perguntam se somos brasileiros. E daí para virarmos amigos de infância são vinte minutos.
E, nossa, eu e Rodrigo conhecemos muita gente assim, contamos muita piada, fizemos muitos contatos. Mas, antes de mais nada, tenho de falar da festa brasileira organizada pelo M.B.
Bem, o M.B. é um professor brasileiro conhecido internacionalmente. Não falarei o nome dele aqui pois, obviamente, não sei se ele está interessado nisso. Pois bem, este douto professor organizou uma mega-festança-punk e convidou TODOS os brasileiros para irem em um local incrível de frente para a baía de Puerto Montt.
Eu e Rodrigo, claro, gostamos muito da idéia e convidamos TODOS os brasileiros que vimos. E, claro, todos os outros que conhecemos nestes dias, exceto os argentinos. Nativos, equatorianos, espanhóis, portugueses, bolivianos, peruanos, mexicanos. Era pra ser uma festa de proporções épicas, onde poderíamos fazer toda a diplomacia possível.
Bem…
A festa foi maneira…
Mas isso fica para o próximo capítulo, onde também falarei de como eu peguei terra de um vulcão ativo…
Até a próxima…

Parte III – Da Chegada à Puerto Montt ao Aeroporto de Madeira

Eram umas 11:30 da manhã e o sol brilhava entre nuvens. Não estava frio, mas ventava forte do oceano pacífico para a costa quando descemos do ônibus na rodoviária de Puerto Montt. A Rodoviária era toda de madeira. Desci com pressa. Queria ver o oceano. Nunca ninguém da minha família tinha visto o Pacífico. Me sentia desbravando um mundo novo.

Bem, particularmente eu prefiro Atlântico, o Pacífico é um oceano frio, violento. Parece que tá com raiva da gente. Eu sempre vi o Atlântico como um oceano acolhedor que, por algum motivo resolveu afundar a cidade de Atlântida. Provavelmente foi por engano (rsrsrsrsrs). Mas era um choque. Aquele oceano poderoso batendo em rochas escuras, provavelmente de constituição vulcânica. E atrás de mim a imensa cordileira. O Chile é um país entre dois colossos.

Mazé nos lembrou de pegar as malas. E pegamo-nas. Íamos ficar hospedados numa casa a alguns quilômetros do centro. Ela ligou para a hospedeira que nos levaria até a tal casa.

O carro subio uma grande falésia, de onde podíamos ver vários montes totalmente cobertos de neve, o oceano atlântico e a cidade de Puerto Monnt entre eles. Eu soube mais tarde que os montes brancos eram argentinos.  Vi bancos de madeira (tanto os finaceiros quanto aqueles onde depositamos nossas poupanças), prefeituras de madeira, igrejas de madeira, placas de trânsito de madeira, dinossauros de madeira, cachorros, peixes, carroças de madeira. E, para minha imensa surpresa, a casa onde ficaríamos era de…

MADEIRA!!!!!

É, a tecnologia dos tijolos ainda não tinha chegado ao Chile (kkkkkkkkkkkkkkk).

Brincadeiras à parte, era muito mais barato cortas as imensas reservas de coníferas que circundavam a região (com árvores de pinho, principalmente) do que retirar argila dos rios para fazer tijolos. Isso eu só soube dias depois.  O lance engraçado é que nós ficaríamos hospedados na casa ENQUANTO a família também estava lá. Mais um dos estranhos costumes chilenos, como tomar água da torneira.

Mas bem, voltaremos a falar desta casa depois.

Almoçamos, fomos ao evento, participamos da abertura com muitas danças típicas chilenas e muitas pessoas falando em espanhol. Ainda comi carne crua (sim, eles fazem canapé de carne crua…).

Fomos para o centro de Puert Montt, tiramos fotos, liguei para dona namorada de dentro de um shopping de madeira (mas foi minha sobrinha que atendeu…) e depois fomos pegar o Francisco no aeroporto.

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Então, o Francisco é o chefe. Eu, o Rodrigo e a Mazé somos bolsistas do mestrado da UFRJ e ele é doutor pela COPPE. Trabalhamos no mesmo laboratório e ele estava lá no Chile para supervisionar nosso trabalho e para apresentar trabalhos científicos. Então, claro, fomos os três para recebê-lo.

Estava frio, mas não muito e partimos para o aeroporto de Puerto Montt. Sim, era de madeira. Sim, o vôo atrasou. Sim, o frio ficou pior. Sim, fomos para a casa onde estávamos hospedados. Sim, decidimos mudar para um hotel na manhã seguinte.

Sim, essa parte da história ficou chata, mas a próxima é melhor.

Abraços a todos

P.S.: Resolvi incluir umas fotinhas clicaumentáveis pra ficar mais interessante o poste!

Parte 1 – De Brasília a Santiago

Então, vcs sabem que eu estou viajando para o Chile. Bem, eu só vou voltar na segunda, mas acho que devo contar um pouco sobre as coisas que aconteceram aqui. Saibam que vcs estiveram o tempo todo comigo.

Bem, resolvi começar pelo princípio. Tá certo que o princípio não é lá muito bonito, mas tá valendo…

É que o princípio foi muito triste. As duas semanas em Brasília foram, provavelmente, as melhores dos últimos meses. Eu e dona namorada vivemos momentos muito felizes, dividimos alegrias, sorrimos muito e acreditamos que a vida vai ser muito boa daqui pra frente. Mas, infelizmente, eu tinha de ir embora e mesmo estando muito a fim de ir pro Chile, sabia que isso significava estar longe da mulher que amo. Porém sabia que não havia outro jeito. Eu tinha de voltar pro Rio pra terminar o mestrado e tinha de ir pro Chile para apresentar minha pesquisa para o Mundo.

Mas doeu muito. Evitamos a despedida a todo custo, fizemos planos, aproveitamos as noites. Fomos dois loucos em um mundo onde a normalidade impera. E, no meio de nossa estranha loucura, a felicidade veio como um suspiro e ficou por vários dias.

E então, na rodoferroviária de Brasília, quando nos despedimos, era como se não houvesse mais suspiros, alegrias. Como se fôssemos nos despedir para sempre. Como se nossos olhos nunca mais fossem se encontrar.

E chorei, chorei muito quando o motorista fechou a porta do ônibus. Chorei como nunca pq sabia que não poderia ir contra o meu destino. Sabia que não devia seguir meu coração. Sabia que era preciso abrir mão agora para ter muita alegria depois.

E sequei os olhos, admirando a paisagem do cerrado. Aquelas árvores retorcidas pareciam tão tristes… Eram as árvores as amigas de minha solidão.

***

A viagem de ônibus para o Rio durou dezesseis horas. Eu esperava que durasse dezoito. Torcia para durar vinte e duas. É que do ônibus eu ia direto para o aeroporto. A mala enorme, uma grande mochila nas costas, os olhos fundos da noite em claro e às cinco e meia da manhã estava no Rio. Liguei para casa, dei notícias e rumei para o aeroporto.

Tinha de chegar ao aeroporto apenas às 14:30 e comprei a passagem do ônibus pensando em chegar mais cedo mesmo, mas não esperava que fosse tanto. Foi a primeira vez na minha vida que eu ouvi falar de um ônibus da Itapemirim que chegou adiantado…

Fui para um canto escondido do Galeão que eu já conhecia. Peguei um livro (A História das Guerras) e li sem parar por cinco horas. Cheguei até a II Guerra Mundial (modéstia à parte, eu leio muito rápido). Olhei para os lados. Tantas pessoas, tantos sotaques. A tristeza batendo forte ainda no coração. Liguei pra dona namorada. Quase chorei de novo. Mas era preciso ser forte. Ela me desejou toda alegria do mundo. Eu sorri. Ela sabia exatamente o que eu sentia. Amar é bom. Amar correspondido é melhor ainda.

O Rodrigo (grande colega de viagem que me acompanharia até a volta ao Rio) chegou faltando cinco minutos para as 14:30. Sim, eu estava desesperado. Sim, não precisava ficar desesperado. Sim, deu tudo certo. Sim, pegamos o avião a tempo. Sim, tivemos que pousar em São Paulo. Sim, eu estava nervoso.

A viagem durou seis horas, passamos pelas cataratas do Iguaçu (não, eu não vi, mas o piloto disse que passamos), pelo norte da Argentina e quando chegamos à cordilheira dos Andes meu coração quase parou. Era o monte Aconcágua, gigantesco, majestoso, assustador. Um imenso monte branco e marrom que tomava conta de toda a janela. Eu nunca tinha visto algo tão imponente em toda minha vida.

Me senti pequeno, subtraído. Compreendi melhor o quanto os nossos sonhos são insignificantes frente ao tempo. Aquela montanha sobreviveria a todas minhas lembranças. A eternidade era apenas um suspiro. A eternidade é maior que todas as palavras. Meu coração estava entregue a uma tremenda comoção. Via naquele momento algo que muito sonharam em ver, outros morreram tentando conquistar. Vi o ponto mais alto das Américas de cima, mas estando diante dele tratei-o com todo o respeito.

Eu vi o Aconcágua no pôr-do-sol e nunca esquecerei este momento. Eu vi as cores daquela terra e acreditei ainda mais em Deus e em sua imensa capacidade. Foi incrível…

Do Aconcágua ao aeroporto de Santiago foi um átimo, uma descida vertiginosa. Santiago ficava num grande vale, entre os andes e a cadeia de montanhas do litoral chileno. Chegamos quando começava a anoitecer.

Era hora de correr…

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