Prólogo
Arauto
Vós que amais de olhos fechados
Ouvi-me!
É cedo
E a noite ainda dorme.
Filhos amados
Permitam-se
O sono dos justos já não revigora
E a amor não balança os corações.
Ouvi-me, justos!
O grito dos ímpios me atrapalha!
É preciso ver surgir na Terra outro dia
Colorido com flores dos jardins!
Ouvi-me justos, ouvi-me!
Já não há flores, nem quintais!
[Tocam trombetas]
Fada
Nem que eu precise mais canção!
Dormem na noite os justos
E descansa na pele o regaço
Lutam contra o destino imundo
Façam o mesmo que faço!
Brilhem! Iluminem a noite com o lume!
Façam da poesia a música alegre!
Anjos do céu! Venham comigo!
Filhos da Terra, toquem o sino!
Homens! Homens! É chegada a hora!
Nem medo, nem frio, nem degola!
Sigam o sonho, cantem o hino
Acompanhem de perto as trombetas
[novamente as trombetas]
Arauto
Homens, anões e duendes!
Pássaros, flautas, estrelas cadentes!
Flores, regatos e pântanos!
Mares, céu e vento!
Caminhai, caminhai!
É chegada a hora!
Quebrem-se os muralhas
Abram-se as portas da percepção
Destituam-se os generais
Percam-se os exércitos da Terra
É chegada a hora, é chegada a hora!
Viscondes, duques, marqueses
Proletários, vagabundos, burgueses
Eis o hino! Eis o hino!
Vícios mortais, eis que vem
Ao longe os Neandertais!
Fada
Europa! Europa!
Traga a primavera!
O fogo toma o céu!
Fervei, fervei, navegai!
Filhos da corrupção, tremei!
De longe os alquimistas!
Eis que vem o sol
Dourando a pele dos bárbaros
Arauto
Cantai, ó justos, às vilanias do mundo
Cantai, antes do cadafalso dos tiranos
Cantai
Coro
Respirar o ar
Respirar
Respirar o ar
Respirar
Fada
A canção nos toma
Coro
Respirar o ar
Respirar
Respirar o ar
Respirar
Arauto
Navegar
Navegar!
Todos
É o tempo!
É o tempo!
É o tempo!
É o sol!
[fecham-se as cortinas]
Cena 1
[casa de Casíodo]
Casíodo
Quem for me ver
Me envenenar
Ou me ensinar
A ver o céu azul
Quem for me ver
Envenenar
Saciar
A flor e o barril
Quem for me ver
Envenenar.
Caminham as aves
Mostram os caminhos ao sol
Voam as formigas
Arrastam-se os jacarés!
Quem me ver
Quem me ver
Quem me ver
Já é.
[entra Helena]
Helena
Caminham as formigas
Voam as aves
Nadam os jacarés
Casíodo
Quem se importa?
Helena
E as trombetas?
Casíodo
É o fim!
Vida longa à iniquidade!
Helena
Somos pecadores, Casíodo.
Tenho medo!
Casíodo
Somos reis entre os homens!
Nada nos atinge
Íntegros dirigentes dos destinos
Sou rei!
Que me importa?
Não há pedras suficientes
Para limpar da Terra todos os pecados
Acabou a noite, raiou o dia
Mudou a rota
Ficou o tempo
Não há canção, nem sino ou trombeta
Ficou a majestade,
A glória.
[ouvem-se gritos]
Helena
São gritos que ouço?
É o vento que traz
Ó, destino traçado!
Ó, peito ferido!
É a morte que chega de longe
Atracada em nosso cais!
Coro
Marchai! Marchai!
Avante! Marchai!
É nosso o tempo, é nosso!
Decidamos assim os nossos ideais!
[o povo chega com tochas, paus e pedaços de madeira. Casíodo ergue a espada]
Casíodo
Marginais! Tremei
Como ousai desafiar vosso rei?
Coro
São as flores vencendo o canhão!
Seguir, seguir a canção!
Casíodo
O que há?
[o arauto desce das nuvens]
Arauto
Flagelo das dores é findo!
É hora de trocar a labuta
É tempo, chegado o tempo
Mudando decerto a conduta
É tempo, não percam o tempo
É hora de cair em luta
[Chegam os soldados]
Soldados [em coro]
O soldado não tem medo
Obedece sem razão
Não tem nada na cabeça
Nem direito a oração
O soldado obedece
Não se aprende na escola
Não tem dia, não tem hora
Casíodo [aos soldados]
Matem todos!
Coro [tocando apitos]
Não há morte!
Só há o destino
Não há medo
Segui o caminho
Não há sol só há o tempo
Os alquimistas voam no vento
[Do meio do coro sai o alquimista]
Alquimista
Trotes do mal não adiantam
Não há medo
Só a canção
Não há medo
Só, a canção!
Bradem meus amigos
Bradem
O céu nos escuta
É hora de fazer justiça
É hora de mudar a história
Vilipendiados somos
Mas o amor nos une
É a pele, é a pena, é a mão
Caminhando e seguindo a canção
Sigam o arauto do céu
Helena [de joelhos]
A flor me invadiu
Não vou resistir
Erguei, erguei os canecos
Não há, não há mistério
Não há, não há solidão!
Coro
Salve regina
Madre regina
[teu magno e distinto coração
tua boca de amor e justiça
teu colo que descansa nossa língua
tua pele que transborda a loucura
madre nossa, madre
teu sol é nossa justiça
teus versos são nossa canção]*em latim
Arauto
Os anjos cantam por vossa boca
Helena
De que servem os anjos agora?
Coro
Avante soldados!
Avante!
É hora de seguir o destino
Casíodo
Não há destino, apenas a glória
Coro
Não há glória apenas a canção
Alquimista
Não há angústia, a dor já termina
Helena
É o amor que nos move agora!
Coro
As flores nos ouvem as flores
Acabaram-se todos terrores
Ficou apenas canção, canção!
[ouve-se um relâmpago. Todos balançam pelo vento]
Arauto
É hora de irmos pro céu!
É hora de virem as nuvens!
Adeus mundo, adeus
Alquimista
É a eternidade. É a eternidade
Navegar, navegar
Mudar o mundo
Navegar pelas nuvens.
É outra depressão
Uma nova invasão na cidade
É outra depressão
Nossos sonhos dobraram a metade
É outra depressão
Acabou o silêncio, ficou a verdade
Coro
Venham as nuvens, ei-nos canção
Deixemos a glória de lado
As flores nos vencem as flores
Quebram-se os grilhões do pecado….