Modiglianesca

modigliani.jpg

Deitada, arfante e nua

a pele em degredo, multiascendente

falha em dominar-se

pulsa.

 

Eu-lírico

beijo-a

e invento palavras

sinestesias

fissuras

Tomado de experiências

fito-a, desfolhar-se

em êxtase;

seduzido;

acuado:

entregue

Passo a desequilíbrios

propenso a ingerências

máximo em tordesilhas

criando linhas para derrubar

sucumbo

Sou dela, em pouso, arco, fel e entendimento.

Uma página de realismo fantástico #Conto

Acordou à margem do rio e viu borboletas azuis borboleteando por aí. Pensou em como era anacrônico usar na palavra borboletear num século em que não se viam mais borboletas nas cidades. O mais próximo que havia eram aqueles irritantes bichinhos de luz que costumavam aparecer nas noites de agosto em que mudava o tempo. Foi aí, nesse pedaço do seu raciocínio delirante que ela percebeu que até então não tinha dado bola para essa variável no problema: o tempo. Afinal de contas, não é de se esperar que se acordasse ao lado de um rio cheio de borboleteantes borboletas azuis, mas era muito estranho ela não saber há quanto tempo estivera deitada ali, nem porque estava vestida com aquela estranha roupa de três cores feita do mesmo material que, séculos antes, haviam sido construídas as bolas de futebol.

Dando bola para o assunto da bola, a última tendência para o verão seria justamente o começo do século XXI, naquela distante época que ousou convencionar-se como pós-modernidade. Ah, pós-modernidade! Aquele povo era tão cool com seus cabelos esvoaçantes, suas roupas multicoloridas e seus sons que misturavam guitarra elétrica com sintetizadores. Mal sabiam eles que moderno mesmo era fazer música com escalas semitónicas naqueles instrumentos pseudo-mentais inventados pelo dr Machina que faziam com que cada um em um show ouvisse sua própria música, a harmonia de suas próprias sinapses mentais lagarteando em sinestesias tão peculiares que todo indivíduo, envolto em sua própria viagem, era capaz de construir sua própria poesia. E então tudo o mais ficou supérfluo, até porque o suprassumo do individualismo, a própria epítome da edificação de si mesmo havia sido alcançada e o resto – todo ele – virou lembrança para aqueles desocupados que se preocupavam ainda com a ciência.

Ainda se lembrava da emoção que sentira ao ver, numa tela plana – isso mesmo, uma tela plana, sem nenhuma interação! – aos vídeos da final da copa de 2014 quando Argentina e Alemanha se enfrentaram numa mítica partida de futebol no estádio do Maracanã. É claro que hoje tanto Argentina, quanto Alemanha, ainda mais o Maracanã eram ideias tão antigas que ninguém mais conseguia mensurar aquilo direito. Mas a imagem permaneceu, sempre ela. A imagem da emoção daquelas pessoas, parecia ser tão rica e, mais importante ainda o caos de não saber exatamente como cada uma daquelas setenta mil almas estava se sentindo, de ter de imaginar o que todos eles estavam sentindo, sem ter muito conhecimento sobre as reais razões que fizeram gente tão diferente viajar o mundo para estar no mesmo lugar, na mesma hora, vivendo o mesmo momento. Isso era tão… anacrônico.

Voltou para onde estava como se fechasse milhares de janelas de poup-up (ah, isso era do século XX na verdade, mas ali era muito difícil mensurar corretamente as fronteiras entre esses mundos) e olhou para o céu. Púrpura? Desde quando ele tivera essa cor? Desde quando os pássaros voavam de cabeça para baixo e para trás fazendo tudo ao contrário como num moonwalk perpétuo? Desde quando aquele rio teria virado mar e desde quando ela se movia enquanto pensava, batendo asas num borboletear esfuziante? Desde quando ela não era ela? Desde quando o mar começou a cair e as ondas se transformavam em tempestades e relâmpagos revolucionando tudo num esgar infindo? E desde quando o tempo era tempo, a rua era rua e o nada era o nada? Desde que, quebradas as regras de percepção, o sonho e a verdade, sendo um só, eram a medida de todas as coisas.

Púrpura. Começou a ouvir uma canção tão antiga quanto o tempo. E lembrou-se que não havia de ser nada, que daqui a pouco eles chegariam com os remédios e o sol viraria sol e todas as cores seriam exatamente como deveriam ser. Ficou ainda muito tempo olhando os bichinhos de luz acertarem a luminária em sua sala totalmente estofada, enquanto se contorcia em delírios.

 

Um homem muito especial

Daquela vez a dor foi mais pesada do que das últimas. Sentou-se só na banqueta com uma mão no peito e outra no joelho, olhando para a chuva que caía pela janela em gotas grossas e pesadas. Passou a mão na cabeça e deixou cair o chapéu no chão, sentindo o arrastado no peito e a respiração custosa e agoniante. Era sempre assim, nos meses de outubro, a chuva vinha pontual no fim da tarde e molhava tudo. Foi duro, foi muito duro. Deu um gemido fundo, suspirou com toda a força de seus pulmões e finalmente capitulou. Com as mãos muito unidas sobre os olhos, chorou como não fazia há muitos anos. Não soltou um gemido, um vagido que fosse. Apenas deixou as lágrimas correrem sobre a face curtida pelos setenta anos de trabalho diário ao sol. Não havia ninguém ali, ninguém para observar os músculos dos braços retesados, as poucas coisas mal organizadas na estante: o candeeiro, a bíblia, o calendário da caixa econômica, um lápis, dois chifres de boi e um baú puído de madeira e couro. Ninguém que visse a casa simplória, o chão de terra batida, as paredes de pau-a-pique, as janelas de umburana e jacarandá, a rede trançada, o sol que insistia em se misturar com a chuva naquele fim de tarde apoteótico. Ninguém. Uma solidão que era tanto angústia quanto abandono, tanto ilusão quanto desespero. Ninguém para fechar a tramela da janela quando o vento insistiu em fazê-la bater, nem ninguém para acender o candeeiro quando a noite finalmente chegou. E, ocasionalmente, ninguém para consolar o coração daquele velho que passou tantos anos tentando ser forte, pondo-se ilusões de que um dia…

A vida bate forte. Você resiste, uma, duas, várias vezes. Você é orgulhoso, mas ela é insistente. Você se esquiva, ela lhe soca entre as pernas. Você revida, ela machuca seus punhos, ela te derruba, você levanta uma, duas, cem vezes. No fim, ela te pisa no chão, te humilha, te bate mais forte por onde você menos imagina. E aí você percebe que passou a vida inteira lutando, a vida inteira resistindo, a vida inteira fazendo seu destino, construindo sua história, mudando seu caminho para, ao chegar ao final, perceber, impotente, que nada disso significou sequer um epitáfio digno para chamar de seu. Não há glória, não há vitória, não há recompensa, não há discurso, nem há eternidade, reconhecimento, amor: não há nada.

Uma carta repousa no chão ao lado do chapéu. Uma carta colorida, escrita à mão com uma letra caprichada de alguém que estudou no liceu. Não, não eram más notícias que havia. Apenas não eram as notícias certas. Dois noivinhos, um anjinho, alguns nomes escritos e uma data cruel e definitiva: dali a duas semanas, duas almas se unirão em matrimônio sob as bênçãos do Senhor.

Nenhum homem deveria chorar por um amor pelo qual não lutou.

A moça tatuada

A noite é um suspiro morno quando ela se deita nua, vestida dum véu de estrelas e ansiosa de beijos e gemidos.

A noite é um suspiro breve

Uma busca soberana

Por um prazo

Um ultimato

Um infinito.

A noite é um chão de estrelas, quando ela me toma inteira e me domina.

A noite é um dragão nascente

Uma flor que nasce do colo

Uma epopeia sem guerreiros

E príncipes

A noite é um princípio, quando me tomas e me sorves, me pedes que te dê o que mais precisas.

A noite são as gotas de chuva

Caindo na janela

Enquanto minha mão e a tua

Se entrelaçam, unidas.

A noite é um corpo em dois, fundido-se em sentimentalidades inexplicáveis.

A noite é uma vela tênue

Balançando ao vento

Queimando

Na cor dos seus cabelos

A noite é um desespero, quando me arranhas a pele e me exiges mais.

A noite é um sono lânguido

Enquanto a acalanto

Esperando que no sonho

Você alcance o céu…

A carne trêmula mantêm-se assim por muito tempo após o ato. Respiraram ruidosamente olhando para o teto do quarto e para o relógio da cômoda piscando os segundos. Não houve palavra, ou gesto, ou malícia no ato. Apenas a cópula carnal, animal, irracional, onde carnes, bocas, lábios, salivas e saliências se misturaram antes que houvesse suspiro algum de arrependimento. Não que não tivesse sido planejado. Nas cabeças dos dois, separados, aquele momento foi vivido muitas e muitas vezes antes que se consumasse. Horas e horas solitários imaginando o toque da pele, o sabor da saliva, o momento propício para que os dois pudessem se encontrar e que os corpos se unissem tão juntos como se um fossem. Mas ela pensava que não, que havia de ser um dia após vários encontros e que ele traria flores e que se beijariam muito com os olhos fechados antes que se apagasse a luz e se deitassem sob o edredom. Já ele imaginava aquilo de um jeito tranquilo e intenso, sob uma luz estonteante de um mês de julho. Nenhum dos dois estava preparado para, olhando-se nos olhos e estando muito juntos, jogarem-se um no outro com uma fome que não se sacia, no sofá da sala mesmo, sem cerimônias.

E agora, envergonhados e nus, os olhos dos dois se evitam como se, ao fazerem isto, apagassem também do mundo as peças de roupa espalhadas pelo exíguo apartamento dela, as marcas de dedos e unhas nas costas um do outro e o embaraço de fazer tudo diferente do jeito que se supõe que se faça para começar uma história de amor.

O leão e o príncipe

Eleva-se o Leão da Selva

Em pedra luzindo errante

Brada, agita, eleva

A terra de Anacreonte!

As musas, desterro pétreo

Ribombam qual Cicerones

Cantam, dividem o cetro

Da guerra ao reino distante

E o canto embala o Império

A casa, o terraço, a lua

Espalham o vão mistério

Da vida que continua…

Pousam na Terra as fadas

Do herói ferido, o ósculo

Suas asas vão delicadas

Inflamam o momento histórico

“Beijai, ó damas, bendigo”

“Não chorai: é pleno o dia”

“Não temam, não há perigo”

“A Prosa Vencerá a Poesia”

A nau singra os vales augustos

O estandarte do reino balança

Guerreiros dentre os mais justos

A Palavra: virtude é a lança

Que corta, destrói, ressuscita

Inflige as dores mais cândidas

Cura da praga maldita

Que nos corrói as entranhas!

“Emanuel, Emanuel, meu filho!”

“A faca que trouxestes é cega!”

“O escudo de ouro é um suspiro”

“Tua mão fria me gela”

“Enquanto me esbarro contigo”

“Banhado do sangue teu”

“Carrego-te pelo campo de guerra”

“Impregnado da ira de Zeus”

“Maldigo a toda Terra”

“Quem vem matar o rei dos andantes?”

“Quem vai vingar uma dor tão terrível?”

“Quem ousou trespassar com a lança”

“O peito vazio do meu filho?”

 

Chora o Rei, o leão

Choram as fadas aflitas

Deitado inerte no chão

O príncipe das profecias

.

.

.

.

.

A luz delicada ressoa

Na noite silente de outubro

Nem barco, nem lança ou pessoa

Quebra o frescor noturno

Mas ali, um rubor imponente

Clareia o horizonte ao longe

Talvez seja o deus dos clementes

Talvez pela prece de um monge

Talvez sejam gaitas e foles

Cantando um fado arrastado

A faca que geme e se move

No fulgor do porvir, o passado

Emanuel, Emanuel, Emanuel

Cantam os anjos e filhos

Nos brejos, na Terra e no Céu

O brado mais genuíno:

Esperança, me toma nos braços

Um reino sem príncipes ou reis

Sem negros, pobres e escravos

Onde nem força, limite ou lei

Macule a esperança dos fracos!

 

E a bela com braços abertos

Me beija, efusivamente

Não há leão, nem reino, nem cetro

Nem guerra ao reino distante

Somente o carinho e afeto

Nos corações dos amantes

Vi! Venci! Chorei as mortes dos justos

Mas brindo à força dos vivos

Meu peito canta ininterrupto

Coragem é o nome do silvo

Adeus, bendigo as palavras

Confirmo o atroz proceder

Adeus aos dias amargos

Meu reino agora é você…

Despedida

Pensar não custa o silêncio, ela disse. Ele pegou o retrato dos dois sobre cômoda e olhou por muito tempo. É tarde, ele disse, preciso ir. Entreolharam-se. Não sabia ele se dava um beijo, um aperto de mão ou se saía dali sem nada dizer. Não era muito bom com emoções, ambos sabiam. Ela continuou olhando pela janela. Não dizia nada, não aparentava nada. Isto o deixava maluco. Sentou-se novamente e acendeu o cigarro. Estava escuro. Faça como quiser, ela disse. Levantou-se e foi à cozinha. Quer chá? Não, obrigado. Havia muito nãos naquela relação, ao menos para ele. No começo aquela distância deu uma sensação de mistério. Parecia que cada dia seria uma surpresa, aquela mulher seria uma surpresa constante. Porém, aos poucos ele percebeu que era árduo, que todo novo contato era uma dificuldade, que havia mesmo uma grande distância que ela insistia em colocar entre eles. E isso significava que não havia amor. E não podia haver notícia pior do que aquela. Por outro lado, todas as vezes que ele instintivamente tentou se livrar dela, não conseguiu. A vida dele era impregnada do seu cheiro, dos seus olhos castanhos e das sardas multiformes do seu rosto. Ele era um romântico incurável. Ela uma niilista incurável. Eu trouxe para você mesmo assim, ela disse. Sentou-se com ele na mesinha de canto do apartamento. Olhou-o fundo nos olhos. Silêncio. Sabe de uma coisa? Ele balançou a cabeça, interrogativo. Amanhã deve fazer sol. Ele fez uma careta. Não era isso que você queria ouvir? Silêncio. É tarde, eu devo ir. Você vai ficar, disse ela tranqüila. Ele levantou-se resoluto, derrubando a xícara já quase vazia. Ficaram os dois olhando o filete de chá escorrendo pelo chão. Nada disseram. Ele levantou-se e foi à janela com o rosto entre as mãos. Queria chorar, mas nunca ninguém lhe ensinou como se fazia. A vida o tinha moldado para ser duro, para ser inflexível, mas aquela mulher estava se mostrando mais dura do que qualquer coisa que ele já tivesse agüentado. Ela se levantou, pegou um pano na cozinha, limpou o chão e apagou as luzes. Vem pra cama, ela disse, amanhã tudo vai ser diferente. Silêncio. Ela se foi. Ele levantou-se, colocou o casaco e foi até a porta. Pôs a mão na maçaneta e pensou muito antes de sair. Ela ouviu tudo, quieta, deitada sobre a cama e olhando fixamente para o teto. Amanhã deve fazer sol, amanhã deve fazer sol, amanhã… ficou repetindo a si mesma entre lágrimas e soluços.

Da canção da noite…

Existe a essência e sobre ela eu não digo muito. Sinto. E existe o peito que bate fraco enquanto imita o descompasso de um amor pejorativo. E existe a dúvida franca, irmã que é da pureza e do desamparo. E existe o vento que toca a face augusta, com um encanto tão fugaz, que se liquefaz em gotículas de silêncios.

Existe o pensamento, o fio da meada que não se perde, nem se ganha. Existe o assalto ao eu-lírico. É um assombro! Uma indecência! Uma vulgaridade expor uma nudez tão profunda que profana e expõe minhas sinapses mais elementares.

E existe a boca que conquista a loucura e sensatez com o mesmo e desesperado ato de coragem. Ah, a intrépida ousadia dos jovens! O desapego dos sonhadores! O solilóquio das profusões interiores expostas em sangue e mel…

Indômita. Cai a noite e o pranto contínuo dos que têm fome devora o mundo com seus significados. Nunca tive solidão, ela diz. Sempre tive um braço forte para me levar nas noites pelo mar bravio. Nunca tive companhia, eu digo. Sempre errei solitário pelas noites da cidade em chamas. Jamais houve o que me aplacasse a dor e o prazer de ser quem sou.

Quem sou? Olho-me perdido no espelho e não reconheço a face enrugada dos meus infortúnios. Não vejo nos meus braços cansados o motivo de tanto desassossego. Ela me queria? Ela me esqueceu? Nada existe que não seja a pena que escreve alucinada neste pergaminho.

Eu sou o livro. Eu sou a face. Eu sou o verbo.

Eu sou a palavra encantada que é proferida na noite. Eu sou o mago. Eu sou o fim.

Reviro-me na cama acostumando-me a repetir pesadelos à exaustão. Onde errei, me diga?

Eu sou a porta. Eu sou o prédio. Eu sou a chave.

Eu sou a ponta morta do futuro. Eu sou o retalho da tua pele que arrancastes na hora de aflição.

Diga-me outra vez: amor. Diga-me outra vez: perdão. Diga-me sinceramente que te lembras de mim, que existes, que és… Que erras.

Ou minta que queres… É o que me basta.

Nemo Nobody

À noite tudo parece estranho e vazio. Que houve ao melhor dos meus dias? Quem me trará garantias? Tudo é pó e nada se move. O tempo marcado na memória é uma sucessão de inconsistências e solidão. O que é o real? O que é o certo? Quem sou eu? Que eu sou? Mudo as notas, mas não mudo as claves. Predomino. Nas minhas memórias passam pessoas cujos nomes não recordo. Mas lembro dos cheiros. Fragrâncias que remetem a outros dias.

Penso, peno. Vegeto. Balouço, qual um pêndulo errante e sem ritmo. Meus olhos fundos me encaram no espelho. “Oui, madame…” “Je non parle pas!” Estranho as inflexões e trejeitos. Mas, e daí? Quem se importa com as inconsistências de um velho míope e de memória curta? Quem se importa com a beleza de frases sem lógica ou nexo? Acaso somos todos cartesianos? Duvido…

Duvido de acasos. Duvido de acessos propositalmente convenientes. Duvido de frases feitas, de existências proeminentes. Duvido de evidências. Mas creio no vazio dos medíocres que preenche o silêncio de fundo do tempo isolador. Não os vês? Ah! Eles são muitos e andam atordoados pelo meu país. Uns tem grandes pernas e pequenos braços, outros, nem tanto. Uns tem grandes ouvidos auscultadores, outros línguas bipartidas, ferinas, todos com aquele brilho estranho nas retinas! São tantos e de tantas raças, tantas espécies. Opacas. Fumaça.

Deformados. Estranhos seres de anódina figura passeiam incólumes, errantes. Fantasmas que cantam, ouvem a canção da noite com o coração desbaratinado e as idéias confusamente assentadas em uma lógica intrépida e fugaz. São como os palhaços! São como os anões e a gente do circo que preenche o espaço antes…

Antes da bailarina…

Ah, a bailarina, com seus olhos mágicos, suas pernas flácidas e seus pés enormes! Não é como a bailarina do Chico, não. Ela é perfeitamente imperfeita, simetricamente assimétrica, maravilhosamente horrorosa! Ela não tem ritmo ou boa figura, ela não é jeitosa como os cisnes, nem baila como se fosse um anjo que apenas toca a terra. Não, ela carrega o semblante carregado e cansado pelos anos que não viveu. Pelos anos aprisionada na gaiola de suas próprias escolhas. Ela não sorri, mas tampouco chora. Ela não pede clemência, tampouco implora. Nem tem a volumetria propícia para tal trabalho. E ela não empolga as massas. Alguns se levantam, outros vaiam! Ah! Como ela é perfeita. Ah! Como ela é medíocre.

E eu embasbacado aplaudo com meus olhos marejados, enquanto ela canta meu nome entre os dentes: “Nemo, Nemo! Tu que não és ninguém, assim na noite me cativas. Tu que não és ninguém, na noite és garantia. Tu que não és ninguém, pros insignificantes és poesia”.

E sorrio! Com os braços abertos faço canção onde antes havia apenas o sopro, o vento e as vaias. E nem percebo a lona do circo sendo levada pelo tornado que lá fora há muito balouçava as folhas das árvores. Nem percebo o desespero dos transeuntes em sua última hora de insignificância. Ela diz meu nome entre os lábios! Sim, venha comigo, oh minha morte! Eu sempre te esperei com seu sopro gelado e seu sorriso irresistível! Estou pronto, leve-me, rapte-me! Puna-me pela dor tão cruel de uma saudade, que na realidade não me faz sentir mais nada. Leve-me… leve-me…

Leve.

Inspirado neste maravilhoso filme que eu recomendo fortemente a todos vocês.

 

 

 

 

Ipanema

My lady

She passes by me

She knows that I can see

Her face when I’m standing by

And she passes by me why

I’m looking above twice

I’m sorry ‘cause I’m like she is

 

The clothes of yellow sand

In the pubs, I am in there again

Waiting for a new begin

And another dust of wind

Scotch on the rocks

One and two and maybe more

And more, and more

The night, and a beautiful sky

And she passes me by

The moon forsake no more

And tell me about your stories

And I’m falling in love

 

Ipanema is with us

The sea is a hug of stars

Dancing in the waves

Whit whales and mermaids

And walking for a long, long time…

Striker Beach

Rocks are our only witnesses

 

And the sun comes

The morning

You sleep on my lap

The calling

It’s time to go

“I’m leaving”

And I ask for your number

“I’m going”

You won’t understand my word

“I’ll back from my land, my country, my only and real love…”

She said…

Falar de amores

Quem inventou o amor

Me explica por favor

 

É engraçado como um assunto muda tanto na nossa cabeça com o tempo. Eu lembro que quando era bem mais jovem e não tinha ninguém, pra mim o amor era aquela coisa que ia trazer todas as felicidades. O bom é que eu percebi rápido [sofrendo as conseqüências] que não há nada mais estúpido do que depositar suas felicidades em uma pessoa. Ninguém merece suportar esse fardo. Além disso, se você espera uma solução mágica pros seus problemas, que dependa de uma coisa só, você pode ter certeza de que vai se frustrar. A vida não é feita de soluções simples, mas é muito mais fácil quando se enxerga as coisas com a simplicidade que elas têm.

E então, entre minhas desilusões, eu fiquei por muito tempo com o coração fechado. Não tinha relacionamentos que durasse mais do que uma ou duas noites. Eu tinha medo de me machucar de novo e, por isso, preferia ficar só. E a solidão era boa, a solidão é confortável, já que é muito mais fácil se contentar quando não se tem expectativas.

O que eu não esperava era que alguém fosse se apaixonar por mim. E eu, egoísta e cruel, usei esse sentimento como pude. Percebi que é bom ser desejado, amado, idolatrado. É bom ser a cegueira de alguém. É bom receber presentes e carinhos, ainda mais quando essa pessoa não exige nada de você. O problema que isso não existe. Sempre esperam algo de você e nesse assunto de relacionamento isso é ainda mais latente.

O fato é que uma pessoa saiu destroçada por um amor que não correspondeu às expectativas e eu saí destroçado por perceber que por puro egoísmo era capaz de fazer uma pessoa sofrer tanto. Então resolvi ficar só. Nenhum relacionamento, nem mesmo as amizades de longos anos, permaneceram. Fechei-me na segurança do meu mundo. E aí errei de novo. Foram seis meses terríveis…

Mas o amor me alcançou, justamente quando eu não esperava mais nada dele. E eu nem imaginei que fosse amor, porque era muito diferente de tudo o que eu esperava que fosse. Porque primeiro era sexo bom e eu precisava de sexo. Depois começou a cumplicidade inevitável e assim veio todo o resto. O amor não acabou com minhas inseguranças, nem com meus medos. O amor não me preencheu totalmente como pensei que ia preencher, mas ele acabou estando em toda minha vida desde então.

O que eu percebo hoje é que deve-se buscar um amor sem culpas, sem grandes expectativas, mas com momentos memoráveis e únicos. Que o amor não é grandioso e estupendo, como dizem os poetas. Não, o amor é silencioso, tranqüilo. O amor não se enquadra em fórmulas ou noções pré-estabelecidas. Ao contrário, ele vem quando menos se espera e permanece, se transformando todos os dias.

Não tenho expectativas. As coisas caminham, lentamente, dias e dias. Mas tenho certeza de que é melhor do que tudo o que senti antes…

E isso, um texto piegas, sobre um assunto piegas e clichê. Mas o que é a vida senão uma sucessão interminável de clichês?

 

Sebastião

E ela acendeu o cigarro. Ele olhou, contrafeito.

– Você não devia fumar.

– Por quê? Resolveu se preocupar comigo agora? Da minha saúde cuido eu…

– Você não devia fumar porque me incomoda.

“Idiota”, ela pensou. Mas apagou o cigarro. Foi até a janela do apartamento onde podia ver a enseada de Botafogo e o Pão de Açúcar. Estava abafado e ela abriu a janela para deixar entrar o vento. Não entendia porque ela ainda agüentava esse velho estúpido. O vento balançava o penhoar de caxemira que ele tinha lhe trazido da Índia, com um bando de bugigangas pro ópio dele. Fazia dias que ele andava chapado pelos cantos. Ela não dizia nada, só se certificava de que ele estava bem. “Eu sou burra mesmo, faço tudo por ele e ele nem nota…”. Pensou em como eram bonitos os cabelos grisalhos. Sebastião olhava fixamente para a máquina de escrever. Era um cronista antiquado que contava histórias de vinte anos atrás em uma máquina de vinte anos atrás sobre um Rio de vinte anos atrás.

“Eu não tenho nem vinte anos”

– Porque você fica parado assim, olhando para a folha em branco?

Ele esticou-se na cadeira e se espreguiçou.

– A gente não manda nas palavras, Júlia. Elas ficam andando por aí, soltas. Elas viajam pelo espaço. A gente tem de ficar concentrado, esperando o momento de pegar uma delas e fazer uma história.

Ela não sabia se ele acreditava mesmo nisso ou só estava dizendo porque estava chapado. Às vezes ela tinha medo. Mas não desgrudava dele, nunca.

– Faz dias que você não sai daqui.

– Faz dias que eu não me encontro…

Estava começando a sentir frio e o cheiro da baía de Guanabara não era dos mais convidativos. Ela fechou a janela e deitou-se sobre a cama, olhando para o ventilador de teto que continuava rodando mesmo depois de horas desligado. Ele continuava quieto, olhando a folha de papel. As mãos tremiam.

Ela começou a cantarolar uma música de infância que sua avó alemã tinha lhe ensinado quando criança.

– Não gosto que você cante.

Ela parou. Sentou-se na cabeceira da cama abraçando os joelhos. E chorou, silenciosa. “Ele não quer que eu exista…”. Fungou por um instante e ele percebeu. Virou-se, olhando para ela. Ela escondeu os olhos entre os braços para que ele não visse. Era só uma menina. Ele levantou-se e colocou o rosto dela entre suas mãos.

– Penso em morrer. O tempo todo – ele disse.

Ela desviou os olhos dos dele.

– Você sabe que eu não tenho muito tempo, que eu não posso perder um segundo, que esse livro é tudo o que eu sempre planejei e que agora eu não posso mais deixá-lo de lado.

Ela não disse nada. Ele acendeu a lamparina e começou a amassar a bolinha de chandu entre os dedos enquanto ela queimava. O cheiro característico foi tomando conta do quarto, devagar. Era a terceira vez hoje. Ele colocou o cachimbo na boca, pôs a bolinha na outra extremidade e começou a aspirar a fumaça tóxica, carregada de morfina.

Ela parou de chorar e continuava olhando para ele, insistentemente.

– Eu quero.

– Isso não é pra você…

– E o que é pra mim?

– Tudo o que você não decidir perder por causa de uma escolha estúpida que se faz antes dos vinte anos.

– E você deixa alguma escolha para mim?

Ele aspirou longamente a fumaça.

– Não, eu não deixo escolhas para ninguém que eu ame, Júlia – virou-se para a máquina e começou a escrever.

Ela chegou ao lado dele e começou a ler:

“Teu espírito caminha solitário pelo vale. Nada que o ócio, ou o medo não domem. Não há dor aqui, é tudo claro e simples. Não há medo ou vontade. Há incertezas, como em tudo o que é caótico. Aqui me equilibro entre meus pesadelos e falta de planos. Aqui me equilibro entre dois cadafalsos. Mas não temo. Espero de braços abertos que a morte me liberte.

E chove…

Embaixo dos meus pés há testemunhas da glória que nunca terei. Rezam a minha penitência. Quem governará meu país quando eu me for? Quem guiará meu barco quando os remos se perderem? Não sei, tudo é tão simples que não entendo. Tudo é tão claro que me perco…

O sino toca, a hora chega. Nas paredes das catedrais picharam meu nome. No caminho meus amigos me olham, cabisbaixos. Eu sorrio. Nada pode maltratar um coração ferido pela certeza. Muitos e muitos dias se passaram. Meus passos não são mais firmes, minhas mãos já não têm o mesmo tato, mas minha alma, meu espírito, vagueiam por onde eles nunca poderão me alcançar. Eis o que é ser livre. Ser livre é um pensamento…”.

As mãos tremem, descontroladas. Ele continua olhando o papel, agora repleto de palavras. Ela quer beijá-lo, senti-lo… ele não deixa. Deita-se na cama ainda vestido e com os olhos muito abertos.

– Apague a luz.

Ela apaga, contrafeita. No escuro ele não pode mais fugir dos seus medos. No escuro ele também tem menos de vinte anos…

 

 

Levemente inspirado nesse texto aqui

 

 

 

 

Cartola

Um bar, na Tijuca. Um negro, magro, de uns sessenta anos, toca um velho violão em um pequeno praticado, de chapéu e olhos fechados. Ao seu lado, um garoto com o rosto coberto de espinhas e uma penugem que um dia ia ser barba, acompanha com um pandeiro.

– Porque você me trouxe aqui?

O garçom traz a cerveja. Itaipava. Ele toma um gole e pensa na resposta. O velho começa a cantar, com a voz empastada dos sambistas antigos:

Ainda é cedo amor

Mal começaste a conhecer a vida

Já anuncias a hora de partida

Sem saber o rumo que irás tomar

Ele fecha os olhos e segura a mão dela entre as dele.

– É por causa do velho.

– Este velho?

– É, este velho.

– E o que ele tem de especial?

Ele bebe mais cerveja, fecha os olhos de novo e presta atenção no solo. O velho erra uma, duas, três vezes. O garoto se impacienta, erra o ritmo também. A voz do velho continua, pastosa, em falsete. E ele ainda de olhos fechados. Pensou nela. Há quanto tempo ele a amava? Seis anos, talvez.

Ela está impaciente. Até quando ela ia continuar aceitando os convites dele para sair? Sempre isso, esses lugares imundos, cerveja ruim, música ruim, comida ruim. Ela preferia a Barra, Ipanema, os bares da moda onde era possível ver gente e aparecer. Quem ia para a Tijuca? Quem se divertia na Tijuca? Ninguém.

“Ela nunca vai saber”, ele pensou.

“Da próxima vez eu não venho”, ela pensou.

– Ele não tem nada de especial, Marina.

Ela olhou para ele incrédula. Tirou as mãos do meio das mãos dele e acendeu o cigarro, irritada. “Agora é sério! Essa foi a última vez”. O velho terminou a música e ia guardar o violão. O rapazote também não estava lá muito feliz.

– Marina, porque você insiste em pensar que existem pessoas especiais? – ele bebeu o resto da cerveja de um gole só – Ninguém é especial, Marina, ninguém. Mas isso não quer dizer que as pessoas não possam ser surpreendentes às vezes.

Ele levantou-se, pisando duro e foi até o velho. Ela ficou sentada, fula da vida.

– Hoje foi lindo, meu velho.

O velho sorriu ao ouvir a voz. Ele era cego.

– Infelizmente não foi tão bom. Meus dedos estão ficando duros com o tempo – parou de guardar o violão e o pôs sobre os joelhos – Cá entre nós, aquela voz que eu ouvi, no meio do samba…

– Voz?

– De mulher…

– Sim, ela está comigo.

O velho sorriu.

– As coisas não vão bem com ela, não é?

Paulo sorriu, amargurado.

– Não pode ir bem algo que nunca existiu, meu velho.

O velho encaixou o queixo no tampo do violão, olhando o que não podia ver.

– E você tentou alguma vez?

Paulo não respondeu. Deu alguns passos na direção da mesa para ir embora. Marina continuava irritada, na mesa. O velho ajeitou o violão e começou a dedilhar alguns acordes.

A princípio Paulo não reconheceu a música e ficou parado a meio caminho da mesa ainda pensando nas palavras do velho. Quando finalmente viu que era Noel Rosa, virou-se para o velho e prestou a atenção em cada dedilhada, em cada acorde. O velho não errou nada.

E a voz não veio empastada, nem em falsete. Era a alma do velho que cantava. E cantava a música da alma de Paulo. Marina também sentiu a música, o samba mais bonito e triste que ela jamais ouvira. Cada palavra doía, cada acorde machucava fundo no peito.

E antes do último verso, ela encaixou a mão dela na de Paulo, que em pé, ouvia o samba, com os olhos cheios de lágrimas. E ela finalmente percebeu…

No Surprises (Ou Ensaio Sobre a Tristeza – II)

A gente aprende desde cedo que ter esperança é bom, que é preciso ter coragem. A gente aprende a ser forte e, quando não dá, aprende a fingir. A gente aprende a não chorar. A gente aprende a agüentar o medo, a dor, a perda, a morte, como se fosse normal sofrer.

A gente aprende a ter ilusões. Ilusões de felicidade, de que correndo atrás dos nossos sonhos eles se realizam. Besteira. Sonhar é o privilégio dos poucos que vivem da exploração da frustração do resto da humanidade. Num mundo desigual, onde o amor é o sentimento dos mais fracos, nada mais justo, nada mais certo, nada mais contumaz.

A gente aprende a se acostumar. Aprende a não ver. Aprende a achar tudo certo, tudo lindo e maravilhoso. Aprende que o mundo das novelas do Manoel Carlos é perfeito e que sua vida é uma merda. Aprende que se vc sofre a culpa é sua, da sua incapacidade, da sua fraqueza, do seu medo.

Aprende a querer ser o que não se é. Aprende a querer sempre mais. Aprende a ter preconceito, a refrear o ódio. Aprende a falar dos outros, puxar o tapete e puxar o saco. Aprende a ser mau, porque os fins justificam os meios. Aprende a ser otário e fingir de esperto.

Aprende a se viciar. Aprende a usar todos os meios para burlar, mentir, fingir. Aprende que é errado mostrar compaixão, ajudar, cooperar. Aprende a ser egoísta e a falar pra todo mundo que isso é individualismo. Aprende a criticar antes de fazer. Aprende a chamar nossa opinião de imparcial e a chamar todo mundo de reacionário ou hipócrita.

O sonho é uma idéia que se vende, e caro. Sonho é ter, não ser. Sonho é possuir, mesmo que seja o outro, o porteiro, a puta, a empregada, o amor de sua vida. Tudo tem seu preço. Nada tem garantias. Não há surpresas, porque tudo está certo, pensado, equilibrado. São as engrenagens do universo que o homem tem de domar.

É o homem. Acima de tudo o pensamento do homem, os desejos do homem, as virtudes do homem, a alegria do homem.

Nada vai mudar. Fomos vencidos. Não somos livres, não somos nada. Somos pó. E olhando assim, querem que eu seja otimista? Os otimistas que se fodam! Os otimistas são uns vendidos ou uns hipócritas. Os otimistas são escravos.

Não há alegria, não há virtude. Não há perdão, não há amor sincero, pq não há poesia, beleza, serenidade…

Pra quê viver assim? Pra quê insistir? Eu cansei de ter coragem, cansei de ter expectativas frustradas. Cansei de dividir meus dias com pessoas que não se importam com meus planos. Cansei de ilusões.

Quer os clichês, porque eles dizem o que eu sou. Sou medíocre e fraco e isso me faz humano. Sou sincero, falo o que penso e penso pela minha cabeça. Sigo meus passos e erro, como erro. É errado errar? É errado se permitir ser diferente?

Sei que não, por isso luto. Luto para esquecer o que aprendi e para compreender as coisas sempre de outro modo, mais amplo.

Mas sofro, porque entender a verdade dói na mesma medida que liberta. Sofro por querer um sonho que não seja só meu, mas que seja de todos…

Hipócrita, ingênuo, estúpido?

Não sei, é o que ouço pelo caminho…

Mas sigo, onde meus passos marcados na areia se tornam mais profundos, onde sofro com mais intensidade é que vejo a verdade com os olhos mais abertos. E ali, entre a dor e o fracasso é que percebo lampejos, brilhos fracos e inconstantes de pureza e, quem sabe, amor e alegria….

 

Clarisse

 

 

Where is the heaven?

Round stones, hiding the sunny sky

Above the tortuous and beautiful clouds

Under my skin

Under my feelings

Under the greatest abyss of my understanding

She comes to me

She likes me

She’s here with me when I falling down

See the despair

And the commitment

Between my liberty and my detachment

Between my soul and my perception

 

Eu quis cantar, a bola rolava no dia de sol

A vida canta, o sinal, o farol

Eu queria zunir, procurar, procurar

A sina do frade, laia-laiá-laiá

Lundu de marquesa num dia de mar

 

There is no Heaven, Clarisse!

The paradise and Hell, the smokes, cigarettes

Marijuana and blessing pounds

Stairways for down and down

Tonight

When I cry, with you

 

Mandei fazer um broche de fita

E jasmim

Mas ela não olha pra mim

Ela não quer me dizer

Talvez responda você

Talvez volte pra cá

Talvez escreva um cartão

Talvez fique a solidão

A onda a bater no mar

 

She told me an incredible and surrounding

Hurricane

Floating

Cirrus: plumbeus!

Ptlomeus! Pitolomeus!

Don’t buy me a diamond ring

Carry on, carry on

Bloody sugar

Sugar

Inconstancy and chaos

 

Ela se perdeu na foz

Entre o cais e o porto

Entre o princípio e o fim

Fio de Vida

O fio da vida

Passa docemente

Qual canção, dúvida, lágrima

Rola triste, em compassos múltiplos.

 

Bate a cor augusta

Singra os vales do céu

Catapulta poderosamente os infinitos

Suspira quando beija, vagueia, pousa.

 

Quem pode crer na noite

Quando dormes de olhos abertos?

Cai do céu a flor incauta

Mancha de olor a criatura Terra

Macula qual germe o ferido coração

E pulsa, pulsa, pára!

 

Não me tentes, canção

Quero indubitável fugir de teus olhos

Das tuas curvas, teus redemoinhos negros

 

 

Guajará

Guajará…

Tupinambá…

Céu azul

No Pará

Guajará

Quem vai me domar

Guajará

Belém, América do Sul

Guajará

Quem me viu, quem me vê, quem quer ser meu amor?

Quem te vê?

Mas a terra do sol não se incitou

Quem te vê?

Meu amor não é mais do que a pedra de urucum

Tacacá

O Pará dominará o vermelho e o azul

Coração

Quem me quer, quem me quer, quem me ver me verá

Nascerá na virtude o reflexo

Anverso do açaí

Manacá

Maniçoba, pato ao tucupi

É canção

É o teatro da paz

É mangueira

É carnaval

É carnaval

É carnaval

Canavial

É emoção

É o amor em Belém do Pará

É solidão

Quem meu quer, quem me quer, vai ter de me ouvir

É meu fim

Gaivotas na praia querendo subir

Cada vez mais

É a paz, é a paz, é Fafá cantando pra mim

É ainda mais

Bem mais perto, mais perto de mim

É Guajará

Quem quiser

É guaraná

É céu azul

É estrela, é Paysandu

Remo pra lá

Vou te levar

Vou te levar

Vou te levar

Pro ar…

Um poema pra JuJu

Sente
A mão, o lábio
O dedo, o pulso
O poema corre fácil
Magro, mirrado, sussurado
Poema-vagido
Construindo a canção,
Poema-língua
Atravessando os mares
Comungando com os povos
Contemplando o mundo
Voando aqui e ali pelo ar.
Sente
É a mão errante
Conduzindo a arte
Modificando a parte
Sacudindo tudo
É o poema indo, telegrafando
Sinais de fumaça
Telemetria de submundo,
Subúrbio
Suborno
Surpresa
É o poema sem pressa
Sem graça
Sem hora
Sem nada
É o poema sem hora
Simplório.
Sente?
A mágica torta
Envolvendo a gente
A falta de lógica
Chega de repente
A mão suada
Vira repelente
Entorta, confronta
Revigora, satisfaz
Calça as botas
Se liquefaz
Desmancha-se no ar
Que há de sólido neste marxismo?
A guerra-fria, os paroxismos
Moldam-se em ferro, fogo, água e cal.
Não, não me toques!
A face augusta inflama o olhar
A mãe dormente recomeça a dança
Magma, dólmen, infantaria, inconstância
Veja como é lindo meu olhar?
Vai, frio
Derrama-te dos céus
Risca aqui o fosso
Lábios feitos de mel
Cobrem-se agora da fuligem de verões passados
Sou carne, sou osso
Sou fera apátrida remoendo os dentes
Sou eu o poeta para o teu deleite
Distante, descambo-me para o céu de Orfeu
Eu sou lágrima
Sou flauta doce
Sangue bravo de vitórias
Pele livre de bravatas
Poço estranho, coberto de flores
Mas então,
Poema-lógica
Sinapses intumescidas
Construindo sinestesias
Alcançando notas tais que não se ouvem…
Ei-lo, partido, partindo, se foi…

Sente

A mão, o lábio

O dedo, o pulso

O poema corre fácil

Magro, mirrado, sussurado

Poema-vagido

Construindo a canção,

Poema-língua

Atravessando os mares

Comungando com os povos

Contemplando o mundo

Voando aqui e ali pelo ar.

Sente

É a mão errante

Conduzindo a arte

Modificando a parte

Sacudindo tudo

É o poema indo, telegrafando

Sinais de fumaça

Telemetria de submundo,

Subúrbio

Suborno

Surpresa

É o poema sem pressa

Sem graça

Sem hora

Sem nada

É o poema sem hora

Simplório.

Sente?

A mágica torta

Envolvendo a gente

A falta de lógica

Chega de repente

A mão suada

Vira repelente

Entorta, confronta

Revigora, satisfaz

Calça as botas

Se liquefaz

Desmancha-se no ar

Que há de sólido neste marxismo?

A guerra-fria, os paroxismos

Moldam-se em ferro, fogo, água e cal.

Não, não me toques!

A face augusta inflama o olhar

A mãe dormente recomeça a dança

Magma, dólmen, infantaria, inconstância

Veja como é lindo meu olhar?

Vai, frio

Derrama-te dos céus

Risca aqui o fosso

Lábios feitos de mel

Cobrem-se agora da fuligem de verões passados

Sou carne, sou osso

Sou fera apátrida remoendo os dentes

Sou eu o poeta para o teu deleite

Distante, descambo-me para o céu de Orfeu

Eu sou lágrima

Sou flauta doce

Sangue bravo de vitórias

Pele livre de bravatas

Poço estranho, coberto de flores

Mas então,

Poema-lógica

Sinapses intumescidas

Construindo sinestesias

Alcançando notas tais que não se ouvem…

Ei-lo, partido, partindo, se foi…