Modiglianesca

modigliani.jpg

Deitada, arfante e nua

a pele em degredo, multiascendente

falha em dominar-se

pulsa.

 

Eu-lírico

beijo-a

e invento palavras

sinestesias

fissuras

Tomado de experiências

fito-a, desfolhar-se

em êxtase;

seduzido;

acuado:

entregue

Passo a desequilíbrios

propenso a ingerências

máximo em tordesilhas

criando linhas para derrubar

sucumbo

Sou dela, em pouso, arco, fel e entendimento.

A moça tatuada

A noite é um suspiro morno quando ela se deita nua, vestida dum véu de estrelas e ansiosa de beijos e gemidos.

A noite é um suspiro breve

Uma busca soberana

Por um prazo

Um ultimato

Um infinito.

A noite é um chão de estrelas, quando ela me toma inteira e me domina.

A noite é um dragão nascente

Uma flor que nasce do colo

Uma epopeia sem guerreiros

E príncipes

A noite é um princípio, quando me tomas e me sorves, me pedes que te dê o que mais precisas.

A noite são as gotas de chuva

Caindo na janela

Enquanto minha mão e a tua

Se entrelaçam, unidas.

A noite é um corpo em dois, fundido-se em sentimentalidades inexplicáveis.

A noite é uma vela tênue

Balançando ao vento

Queimando

Na cor dos seus cabelos

A noite é um desespero, quando me arranhas a pele e me exiges mais.

A noite é um sono lânguido

Enquanto a acalanto

Esperando que no sonho

Você alcance o céu…

A carne trêmula mantêm-se assim por muito tempo após o ato. Respiraram ruidosamente olhando para o teto do quarto e para o relógio da cômoda piscando os segundos. Não houve palavra, ou gesto, ou malícia no ato. Apenas a cópula carnal, animal, irracional, onde carnes, bocas, lábios, salivas e saliências se misturaram antes que houvesse suspiro algum de arrependimento. Não que não tivesse sido planejado. Nas cabeças dos dois, separados, aquele momento foi vivido muitas e muitas vezes antes que se consumasse. Horas e horas solitários imaginando o toque da pele, o sabor da saliva, o momento propício para que os dois pudessem se encontrar e que os corpos se unissem tão juntos como se um fossem. Mas ela pensava que não, que havia de ser um dia após vários encontros e que ele traria flores e que se beijariam muito com os olhos fechados antes que se apagasse a luz e se deitassem sob o edredom. Já ele imaginava aquilo de um jeito tranquilo e intenso, sob uma luz estonteante de um mês de julho. Nenhum dos dois estava preparado para, olhando-se nos olhos e estando muito juntos, jogarem-se um no outro com uma fome que não se sacia, no sofá da sala mesmo, sem cerimônias.

E agora, envergonhados e nus, os olhos dos dois se evitam como se, ao fazerem isto, apagassem também do mundo as peças de roupa espalhadas pelo exíguo apartamento dela, as marcas de dedos e unhas nas costas um do outro e o embaraço de fazer tudo diferente do jeito que se supõe que se faça para começar uma história de amor.

Júlia

Para ler este post é recomendável [embora não necessário] ler o post anterior.

A verdade era que eu me sentia mal por estar com Cristiane. A presença dela me fez lembrar de coisas que há muito deviam ter ficado escondidas. E tudo estava ali, naqueles olhos opacos e vazios que vertiam lágrimas a não mais poder.

O tempo parou. Eu não sei se fiquei ali ao lado dela uma hora ou cinco minutos. Não tive coragem de encará-la ou de dizer qualquer coisa. Durante aquele momento eu não existi. Experimentei a dor do arrependimento, da comiseração. Ficar com Cristiane na sala daquela estranha casa era como velar um ser humano vivo. E, pela primeira vez naquele dia eu pensei não no meu passado, mas em mim mesmo, nas minhas escolhas e medos.

E fiquei muito tempo sentindo isso, ou melhor, procurando sentido nessa experiência estranha de me colocar de frente pro meu passado.

E de repente veio o compasso de uma canção que eu tinha ouvido por muito, muito tempo…

Primeiro veio como um assobio. Depois os primeiros compassos foram aparecendo nítidos na memória e quando a voz e a distorção da guitarra vieram, eu comecei a cantarolar de olhos fechados.

Aquela música fazia algo comigo que eu mesmo não entendia. A verdade é que ela começou na cabeça, depois eu tinha certeza que a estava ouvindo fora de mim, nos meus ouvidos. E então, quando veio o refrão, abri os olhos e não estava mais sozinho na sala com Cristiane.

A música tocava alto em um som no meio da sala e havia muitos jovens bebendo cerveja e refrigerante e cantando a música a plenos pulmões. Alguns estavam de olhos fechados, como numa prece e outros faziam os solos da canção com os dedos nos braços. E éramos uma comunhão de pessoas unidas pela canção.

E eu não era mais eu. Não tinha mais trinta e tantos anos. Era de novo um jovem rapaz imberbe com a vida toda pela frente. E eu bebia o vinho como quem bebe a vida, com gosto, com alma e júbilo. E deixei que a canção, a festa, os hormônios e a idade me deixassem levar.

E a enxerguei. Lembro claramente de tê-la visto várias vezes antes, mas nunca de tê-la enxergado como naquela noite. Ela era a canção. Ela era o olhar que me perseguia na noite. E, mais forte do que eu, a beijei com os olhos fechados. E quando nossos corpos colados se encontravam, não era só dança, era a canção que nos inebriava enquanto nos juntávamos cada vez mais.

E aquela experiência de pele, saliva, cabelos, roupas e canção era mais do tudo somado. Era meu coração que batia, era o gosto do vinho e daquela boca que me conduzia e completava. Éramos um, por causa da canção e da bebida, éramos a noite.

E foi tudo tão rápido que nem parecia que ia ser tão natural. Não precisávamos de mais nada do que nós mesmos e tendo isso, deixamos que a natureza, a nossa natureza, nos conduzisse. Da sala para o banheiro e de lá, para baixo do chuveiro, ainda vestidos, depois nus e depois juntos. E eu e Júlia nos amamos com corações em êxtase e corpos em sintonia. Éramos tanto e tão pouco. Tínhamos tudo o que mais desejávamos, a canção, a bebida, a noite e os corpos, e nessa mistura simbiótica, molhados também pela água que grudava pele na pele, nos banhamos, mergulhamos naquele líquido que tinha pouco de lascivo e muito amniótico.

E ela disse meu nome entre suspiros e eu a disse coisas das quais não me arrependo. E, ao fim, deixamo-nos cair muito juntos enquanto ela ainda cantava os últimos acordes da canção…

 

 

 

Refúgio dos mestres

Era noite e eu estava no terraço do bloco da 412 norte. Tinha chovido a tarde inteira, de modo que podia sentir o cheiro de terra molhada. Lá embaixo, na L2 norte, os carros passavam muito rápido. Era 1999, fins de novembro e muitas janelas já estavam decoradas para o natal. Algumas árvores da rua também estavam brilhando com luzinhas coloridas. Sentei com as pernas cruzadas olhando a paisagem do parque olhos d’água e, mais ao longe, as águas calmas do lago Paranoá, que refletia as luzes do Lago Norte. Eram como vazios perto das luzes fortes da cidade.

Fechei os olhos e tentei controlar a respiração. “Não pense… deixe sua mente fluir… deixe ela ser como o rio que passa mansamente…”

Estava ficando cada vez mais simples fazer isto. Em poucos segundos eu não estava mais ali. Comecei a olhar para dentro de mim mesmo.

Não estava mais escuro. Havia bastante sol e um céu claro, sem nuvens. Podia ouvir o cheiro dos pássaros e sentir a relva molhada sob minhas pernas. Levantei-me. Me sentia novo, restaurado, jovem. Comecei a andar. Estava disposto e comecei seguindo o curso de um rio. Sabia que devia ir por ali. Já havia estado naquele lugar algumas vezes.

Após a terceira curva havia uma cabana. Tirei minha capa, os sapatos e entrei. Era uma cabana muito aconchegante, feita de madeira, muito limpa e com cara de que era usada com freqüência. Acendi o fogo e comecei a preparar o chá. Ela viria dali a pouco, não era de se atrasar.

O chá ficou pronto e, como de praxe, enchi duas xícaras. O cheiro era muito bom.

“Trouxe biscoitos”

Ela sempre chegava exatamente na hora.

– Lá fora não seria melhor?

Ela assentiu. Levei as xícaras para a mesinha do lado de fora e começamos a lanchar. Ela vestia um longo vestido inteiramente branco com a estampa da ordem do dragão dourada nas costas. Os cabelos muito azuis estavam soltos no cabelo encaracolado. Eu vestia um quimono azul escuro, com os emblemas da ordem do rei, da ordem de libra e da ordem dos anarquistas, das quais fazia parte.

– Sinto que nesse lugar o tempo não passa.

– Não passa, pois aqui não existe o medo…

Eu sorri.

– Ainda busca a verdade?

– A verdade nos libertará.

– Algum dia fomos livres?

– Somos livres nos nossos sonhos.

Cheguei mais próximo.

– Não adianta dizer que é proibido, certo?

Balancei a cabeça, negativamente. Ela me olhou nos olhos e sorriu.

– Eu não entendo qual é o perigo…

– O perigo é o amor, mestre ENNF de Brasília. Dois mestres não podem amar-se, ainda mais de duas ordens tão diferentes.

– Sim, eu sei – levantei-me e fui olhar as madressilvas floridas no canto do casebre – Mas há uma grande distância entre saber e entender. O saber é uma ligação racional, do cérebro para os sentidos. O saber é uma ordem, autoritária, candente. O entender é simples, puro. Uma criança é capaz de entender, mas não de saber, por também ser pura. A criança é capaz de amar, não de fingir que não ama. Entende?

– Entendo – ela veio ficar em pé ao meu lado – porém essa é uma lei dos antigos. Veio antes deste casebre e deste lugar. Eles eram sábios e muitos deles eram bons. Para serem mestres eles abriram mão de muitas coisas boas do mundo. O caminho do conhecimento é árduo e passa por negar-se, mestre ENNF.

Ela pegou minha mão.

– Admiro-te. Não és como os dragões. Tu és da ordem do rei por teres dado a sua própria vida pela de um inocente. És da ordem de libra por teres ressuscitado pelo teu sacrifício. Mas és o criador da ordem dos anarquistas por colocares teu coração acima dos teus sentidos.

– Tu me amas…

– O amor nos é negado…

– Tu me desejas

– Ardentemente.

– Mas me negas

– Todas as horas.

Sentei-me no chão. Aquele lugar era tão claro. Era impossível ser triste ali.

– O que é a verdade, maestrina?

– A verdade é um sopro inaudível…

Levantei-me, para guardar as xícaras.

– Sei o que pensas, não podes mentir pra mim, eu conheço a técnica da borboleta.

– Quem disse que não quero que saibas que minto? Saber que mente, saber que sabem que mente e ainda assim mentir não é valorizar a verdade que está por trás de todas estas palavras?

Ela nada disse. Guardei as xícaras no armário.

– Qual é a profecia desta vez? – disse a ela muito sério, quando voltei.

Ela me olhou, contrafeita.

– Nosso mundo está no fim. Tudo rui. A magia está deixando o nosso tempo. Somos alguns dos últimos. Agora as ordens servem aos interesses dos homens ricos e poderosos. Os dragões estão cada vez mais ambiciosos.

– É por isso que devemos cada vez mais depositar nossa fé nos homens.

– O que os homens fazem por si mesmos?

– Se não deixarmos que o façam, não saberão que são capazes de fazê-lo. A escolha recai em deixar o homem a par de si, do que é puro de si. O homem é a verdade, assim como a verdade é o homem, desde o princípio. A fortaleza do homem não está no homem em si, mas na força que em si carrega cada homem.

– É mais fácil crer quando se é um dos anarquistas.

– É mais fácil crer quando se ama sem pudores.

– Ilusões, tolices.

– Tu procuras a verdade na razão, eu procuro a razão na verdade. Tu procuras a lei como refúgio, eu busco a liberdade como lei. Tu procuras seguir os antigos, eu sigo o vento dos dias, ante o crepúsculo dos nossos tempos.

– O que tu procuras ainda não tem nome.

– Não tenho virtudes de taxonomista.

Ela se foi. E eu voltei lentamente, para o bosque, acordando dos meus sonhos.

 

 

 

 

Nemo Nobody

À noite tudo parece estranho e vazio. Que houve ao melhor dos meus dias? Quem me trará garantias? Tudo é pó e nada se move. O tempo marcado na memória é uma sucessão de inconsistências e solidão. O que é o real? O que é o certo? Quem sou eu? Que eu sou? Mudo as notas, mas não mudo as claves. Predomino. Nas minhas memórias passam pessoas cujos nomes não recordo. Mas lembro dos cheiros. Fragrâncias que remetem a outros dias.

Penso, peno. Vegeto. Balouço, qual um pêndulo errante e sem ritmo. Meus olhos fundos me encaram no espelho. “Oui, madame…” “Je non parle pas!” Estranho as inflexões e trejeitos. Mas, e daí? Quem se importa com as inconsistências de um velho míope e de memória curta? Quem se importa com a beleza de frases sem lógica ou nexo? Acaso somos todos cartesianos? Duvido…

Duvido de acasos. Duvido de acessos propositalmente convenientes. Duvido de frases feitas, de existências proeminentes. Duvido de evidências. Mas creio no vazio dos medíocres que preenche o silêncio de fundo do tempo isolador. Não os vês? Ah! Eles são muitos e andam atordoados pelo meu país. Uns tem grandes pernas e pequenos braços, outros, nem tanto. Uns tem grandes ouvidos auscultadores, outros línguas bipartidas, ferinas, todos com aquele brilho estranho nas retinas! São tantos e de tantas raças, tantas espécies. Opacas. Fumaça.

Deformados. Estranhos seres de anódina figura passeiam incólumes, errantes. Fantasmas que cantam, ouvem a canção da noite com o coração desbaratinado e as idéias confusamente assentadas em uma lógica intrépida e fugaz. São como os palhaços! São como os anões e a gente do circo que preenche o espaço antes…

Antes da bailarina…

Ah, a bailarina, com seus olhos mágicos, suas pernas flácidas e seus pés enormes! Não é como a bailarina do Chico, não. Ela é perfeitamente imperfeita, simetricamente assimétrica, maravilhosamente horrorosa! Ela não tem ritmo ou boa figura, ela não é jeitosa como os cisnes, nem baila como se fosse um anjo que apenas toca a terra. Não, ela carrega o semblante carregado e cansado pelos anos que não viveu. Pelos anos aprisionada na gaiola de suas próprias escolhas. Ela não sorri, mas tampouco chora. Ela não pede clemência, tampouco implora. Nem tem a volumetria propícia para tal trabalho. E ela não empolga as massas. Alguns se levantam, outros vaiam! Ah! Como ela é perfeita. Ah! Como ela é medíocre.

E eu embasbacado aplaudo com meus olhos marejados, enquanto ela canta meu nome entre os dentes: “Nemo, Nemo! Tu que não és ninguém, assim na noite me cativas. Tu que não és ninguém, na noite és garantia. Tu que não és ninguém, pros insignificantes és poesia”.

E sorrio! Com os braços abertos faço canção onde antes havia apenas o sopro, o vento e as vaias. E nem percebo a lona do circo sendo levada pelo tornado que lá fora há muito balouçava as folhas das árvores. Nem percebo o desespero dos transeuntes em sua última hora de insignificância. Ela diz meu nome entre os lábios! Sim, venha comigo, oh minha morte! Eu sempre te esperei com seu sopro gelado e seu sorriso irresistível! Estou pronto, leve-me, rapte-me! Puna-me pela dor tão cruel de uma saudade, que na realidade não me faz sentir mais nada. Leve-me… leve-me…

Leve.

Inspirado neste maravilhoso filme que eu recomendo fortemente a todos vocês.

 

 

 

 

Das pequenas coisas

Aprendi a gostar de coisas simples. É engraćado isso, porque quem vê ese blogue desde o comećo sabe que a coisa não era bem assim. Antes de gostar do simples, eu gostava do conflito. Claro, isso tem sua explicaćão Minha vida inteira eu fui educado para o conflito. Logo, nada mais justo que, em meus textos, eu expressasse o conflito sempre que conveniente.

É que quando se está em permanente conflito, não é preciso pensar nas pequenas coisas. As pequenas coisas são pequenas e nada mais. Não importam. São coisas pequeno-burguesas…

Mas..

De uns tempos pra cá eu tenho dado razão a outra coisa: Diálogo. É claro, diálogo envolve conflito, mas certamente envolve mais. Envolve a necessidade de construir uma opinião comum. Portanto, diálogo envolve construćão.

E, portanto, agora vejo como as coisas dialogam entre si. Vejo como são boas as pequenas coisas que mantem o mundo…

Girando.

Pois as pequenas coisas

Justo por serem pequenas

Dialogam entre si.

Infelizmente eu percebi isso de um jeio bastante nefasto. Percebi ao ver uma gaivota, dando um rasante em Ipanema, sair com um peixe graúdo no bico. Não sei se peixe pensa…

Mas tive pena…

Pq naquele momento não havia conflito, nem dor. Havia sobrevivência de ambos os lados. E infelizemente um dos lados prevaleceu.

O lado das pequenas coisas.

Que mesmo pequenas

Potencializam-se

Em grandes dilemas

Em grandes conflitos

Diálogos

Multidão

A escuridão despedaçante

Surrupiava o entendimento

E conseguindo o conseguinte

Me encontrava ao inconseqüente

Na esquina estonteante

Da solidão tremeluzente.

Poetizando à meliante

Que me cantava ao sol nascente

Concretizei o absurdante

Coesão absorvente

Marca de punho lacinante

Suavizando a alma carente

 

Subúrbio frio, gotas de lágrimas

Das mulheres amordaçadas, salgadas

Presas que estão a meus caprichos.

Inverto a ordem, crio ritos

Própria e delicada liturgia

Seguindo o cio, cruzando o rio

Inócuo da minha luxúria.

Gozo, que o gozo aumento o saldo

Flutuando pelo alto

Das pernas abertas de minhas amadas.

Ando, que o compasso inventado

Do som sincopado dos pés

Absolutamente revigora

O sentido mágico das mudas palavras

Que elas soltam aos toques dos meus lábios.

 

E então, vazio que fico de mim mesmo

Procuro ardente o beijo

Desesperador da única que me completa

E me perco no silêncio e dor

Vítima que sou da solidão indescritível

Solidão de multidão

Desejo de Madrugada

Amores violentos

Se esquivam na ilusão da noite

Metades iguais sobre o tapete,

Páginas escritas no livro secreto

Enfeitadas do sangue latino

De heróis de guerras fratricidas…

 .

Beijo com a boca imunda

O desejo escancarado

E barbarizo nas avenidas

Do coração enciumado

Jogando serpentinas

Calando bocas ferinas

Com línguas de fogo das ventas

 .

Rasgo com o rasgo

Do teste, da fuga

Caio vencido, filho da lua

Morango podre na prisão

Militante do partido errante

Exército uno na guerra

 .

Quero-te com os dedos

Bocas, lábios e peitos

Desejo-te com urgência

Gentil interferência

Nos planos macabros da noite

 .

E quando a solidão

Vencer-me

E a luz que vejo

Dobrar-se para si, no infinito

Guardarei pra mim o grito

Farei teu, meu mito

Domarei as portas da percepção

Morena

 

Luz do sorriso

Peça que a peça

Não me mereça

Ou não aconteça.

Pode ser fácil

Pode não ser

Onde a cabeça

Se esqueça

Vai ter dendê

Ou futebol

Conheça o sol

De novembro

É Mamulengo

Cortanto o ar

Sambolalá

A mulata vai suspirar

No meu salto

Tropas de assalto

Céu de Odessa

Peça que a peça

Pode quebrar

Tropa de elite

Samba-sulfite

Tamborilá

No meu dedo doente

Ó o decote indecente

Ó a estrada supimpa

Olha a dor de barriga

Menina quer me chupar

A boneca inocente

Quer suspirar a semente

Quer dividir o meu leite

Quer batizar o meu pé…

Samba menina

Roda a cachola

Senta no colo

Vem me beijar

Samba menina

Meu abandono

Cabou com meu sono

Não pode parar

Samba menina

Deita na rede

Cai que nem peixe

Na lábia do meu orixá…

Blue Rose (Ou rosa de Blue)

Cai a flor doente

A musa inocente

Se desfaz no vento nu e sujo

Madrugada fria do subúrbio

No sibilo dos injustos

Flor doente leva e traz

A dor…

.

Eu me despedaço

E me despeço

Meu grande amor

O que mais quero

É o beijo teu roubado

Em meio ao cais.

Tudo o que quero

E mais peço

É a virtude do avesso

A encruzilhada do começo

Um grande amor que não tem preço

Um beijo teu que me renasça

Faça amor de aquarela

Tambor demais por ela

E que a flor seja tão bela

Que brilhe ainda na janela

Do teu quarto quando gozo

Do teu quarto quando acordo

Pra querer-te mais e mais….

.

Quero novamente o recomeço

E tomar-te com meu jeito

Dominar com meu peito

E tomar teu coração

Fazer desta noite

A canção que mais se cante

O gemido que alcance

As estrelas e bem mais…

.
E quando der-te a flor

E lá beijar-te

Que o beijo flor desate

E o choro que liberte

Seja a chuva que abençoa

E continua

Que ressoa e tumultua

Flor azul que bate

Forte em forma de ilusão…

UPGRADE: Tem coisa nova no Morango…

Desabafo

Negra Nua

Toda essência da inteligência tem uma importância preponderante na consciência do inocente, na sanidade do intolerante. Toda sabedoria do indeciso, toda serenidade e prejuízo, é preconceito, é previdência, é sagacidade e incompetência, é pudor e indecência, é solicitude e condescendência…


Mas se é juízo fechando os olhos nas alamedas dos edifícios, faz com que seja na dor a última parelha e naquele beijo vazio e delicado que antecede a indecência iluminada, naquele beijo longínqüo e efêmero, existe luz e dor suficiente pra ser vermelho e azul ao mesmo tempo: um tipo flácido de arrocheado que me doma, me toma, me rasga e me deserda.

 

Toda essência da inteligência tem simplicidade e solicitude demais pra ser humilde. Tem cadafalsos demais pra se fugir. Tem lucidez demais pra se encontrar.

 

Viva a ignorância! Bradem efêmeros pelos bares das cidades e pelas luzes acesas das casas em noites de domingo.

 

Viva a ignorância! Digam os filhos famintos da pobreza que se desnudam diariamente à minha frente! Viva a burrice, a sordidez e a impunidade. Viva o belo espetáculo que se mostra à frente: a morte de uma geração inteira de bruzundangas, tupiniquins, pátrios irmãos em rios de sangue, filhos paridos de Paulos Renatos.

 

Mas se me dizem da esperança, que ela viceje ainda que não se mostre forte e decidida. Ser for pra crê-la, seja no instante onde mais ela se necessite e se for perdê-la seja na hora que mesmo eu me ressuscite.

Marselhês

MarselhaTodo amor respira de mordida

Faz de desequilíbrio

Conjurando poesia

E simplificando a prosa diária

Em pequenos pedaços de céu noturo

Eu me espalho e me basto

Preso na minha Bastilha,

Ignorante fruto de uma Marselha tropical

Vil e erótico enquanto cético

Livre e robusto enquanto cálido

Sofro de amor e de virtude

Sofro de desapego e desassossego

Sofro de parto, Socrático

Sofro de febre, reumática

Sofro que sou

Solfejo

Soldado

Solstício…

Mar Revolto

Mar Revolto…

 

Existe o amor e existe a fúria

Assim como o vento e o litoral

Se misturam e avolumam

Amor e vento, fúria irreal

Criando um furacão de batimentos

Sinestesias e hipérboles

Juntos em cognatos

Falsos em dias de frio

Onde o calor dos corpos é o tom

E onde a saudade invade

Em calafrios orgásticos:

Dominando as sensações

E aquecidos os corpos

Tudo existe, tudo é céu

Tudo é volúpia, cólera, mar revolto

Amor é vento

Amor é tudo

Redemoinho que destrói o mundo!

 

Vai, amada minha

Sei que te faço conhecer as estrelas

Pois quando gozas brilham os infinitos

Particulares das tuas pernas trôpegas

E tu gritas em falsetes incompreensíveis

Meu nome, meus mil nomes

Em suas sensações distorcidas

De mulher adulterada…

 

 

 

Dona Liroca

Samba carioca
Na roda que roda
A pipoca
Quebra a cabeça
Dona Lindoca
Traz o balaio
Me dá bitoca
Zua da vida
Rodando a roca
E fazendo fiar
E fiar
E fiar
Na bitoca
Roda na roda da Lindoca
Meus lábios procuram
Sua roca
Batendo e pulando
é pipoca
É na cabeça
Feijoada Carioca

Leva o vestido
No vento que sopra no ouvido
É beijo, é farto zumbido
Na roca que roda a fiar
Rota que roda no ar
Pula que eu quero esperar
Ponta de sorriso no mar
Régua de se situar
Poder crer na vida a suar
Suingue de quatro pra melhorar
Dona Lindoca não sabe parar
Ela só sabe beijar
Só sabe fiar
Rodar…

Desejo

Procuro amor com fúria
Beijo na boca com sangue
E no suor opaco do desespero
Me perco no gozo inescrutável
Quando ela se derrete
Na minha pele de ébano

Mas, mesmo que demore
Vejo que a quero e a possuo
Na maciez dos meus pensamentos sórdidos
Na solicitude das minhas ilusões carnais

E minha boca, quando toca sua vulva
É mais que boca, é portal
Pra levá-la ao êxtase…

Pérola Negra

Foto: carlos pereira

Luzes e flor
Sente a visão
Da lágrima só
Que enciúma o sol,
Ardente em bemol.
Sugere a melodia
Dos amantes esquecidos
Nas escadas e nos precipícios
Que fogem demais,
Fogem de mim
Por estradas sem fim
Em noites demais
De trás do porvir…

E a negra me seduz
Com o olhar que é luz
E calor tão fugaz
Só pra dizer
Só por saber
Me amar